Conhecimento x Ignorância

‘Hora da mobilização de quem se interessa por educação e ciência é agora’

Ricardo Lodi, diretor da Faculdade de Direito da Uerj: só mobilização de comunidades acadêmicas pode evitar destruição da autonomia universitária e da pesquisa

Wanezza Soares/Via CartaCapital
Wanezza Soares/Via CartaCapital
Manifestações em defesa da educação uniram diferentes setores da sociedade e devem se repetir no dia 30

São Paulo – De que maneira se pode resistir ao ataque promovido pelo governo Jair Bolsonaro ao conhecimento, às universidades e à cultura? As consequências da ofensiva seriam reversíveis? O professor Ricardo Lodi, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), discorre sobre essas questões na palestra “Ataque às universidades públicas: como resistir e (re)existir?”, promovida nesta quinta-feira (23), às 18h30, no Campus Gragoatá (Niterói) da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“A força dos estudantes e professores no dia 20, nas ruas de todo o Brasil, mostrou que é possível resistir. A autonomia universitária está na Constituição mas precisa ser tirada do papel”, diz Lodi. “A hora da mobilização de quem se interessa por educação, ciência e tecnologia é agora, porque as universidades ainda estão funcionando. Se esses cortes forem efetivados, as universidades vão parar antes do final do ano por falta de recursos.”

Para ele, na conjuntura de guerra contra as universidades, professores, servidores e estudantes, este é o momento de mostrar à sociedade por que a autonomia universitária é tão importante, tanto em questões didático-científicas – rechaçando iniciativas de extinguir cursos como filosofia e sociologia – como em relação ao respeito às decisões ou escolhas dos dirigentes universitários e também no que se refere às verbas.

Divulgação

“É muito mais difícil construir do que destruir”, diz diretor da Faculdade de Direito da UERJ

Na semana passada, a Rede ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto de Bolsonaro restringindo a autonomia de reitores de universidades e institutos federais na nomeação para cargos em comissão e funções de confiança. O ministro Celso de Mello é o relator da ação. Pelo decreto, o poder para avalizar as indicações é da Secretaria de Governo, cujo titular é o general Santos Cruz.

Para Lodi, se por um lado os próprios governos, tanto de Michel Temer como, principalmente, de Bolsonaro, descumprem a Constituição, por outro também há espaço na sociedade para trabalhar a autonomia universitária politicamente, nos parlamentos, e juridicamente, nos tribunais.

O professor cita a decisão do STF, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, quando, por unanimidade, a Corte suspendeu atos de juízes eleitorais que passaram a determinar apreensão de materiais de campanha em universidades e a proibir aulas com temas políticos. Na época, o ministro Gilmar Mendes, em seu voto, citou o poeta alemão Heinrich Heine: “Onde queimam livros, no final acabam também se queimando homens”.

“Esse é um caso muito emblemático, no qual a autonomia universitária estava sendo violada por agentes do Estado e o Judiciário deu efetividade a ela”, diz Lodi. Outro exemplo é do Rio de Janeiro entre 2016 e 2017, quando as universidades ficaram sem receber recursos do Executivo por vários meses e passaram por grandes dificuldades. O professor da UERJ lembra que a resposta veio da Assembleia Legislativa do RJ, que aprovou uma emenda constitucional estadual garantindo duodécimos orçamentários às universidades, para que isso não voltasse a acontecer.

“Quando as comunidades acadêmicas se mobilizam e conseguem mostrar à sociedade a importância da autonomia universitária, ela acaba, de alguma maneira, se efetivando. Hoje, a luta é bem maior, porque há um contingente muito grande de pessoas que entraram no discurso de que universidade não serve para nada. Isso é muito complicado. Um país que não dá atenção a educação, ciência e tecnologia é um país sem futuro.”

Uma das principais perguntas a se responder é se os efeitos dos ataques ao conhecimento poderão ser revertidos em pouco tempo por outro governo no futuro. Para Ricardo Lodi, depende. Se a tendência fosse revertida agora, ou em pouco tempo, seria possível salvar as pesquisas, por exemplo. “Agora, se todos esses cortes forem mantidos, se a pesquisa científica continuar sendo boicotada, a gente vai demorar muitos anos para reconstruir esse trabalho. Pesquisa não se faz do dia para a noite. “É muito mais difícil construir do que destruir”, ressalta.