Perseguição

Deputados criam CPI para atacar autonomia das universidades públicas de São Paulo

Objetivo de comissão da Assembleia Legislativa é investigar repasses de recursos financeiros e o suposto 'esquerdismo' na USP, Unicamp e Unesp

Mauricio Garcia de Souza/Alesp

Caça-fantasmas. Deputado Wellington Moura (PRB) é o autor da proposta de abertura de CPI para investigar ‘esquerdismo’ nas universidades públicas paulistas

São Paulo – Vice-líder do governo Doria na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado Wellington Moura (PRB) é o autor da proposta de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende fazer uma ofensiva contra as universidades públicas do estado. O objeto divulgado no Diário Oficial é vago: “Investigar irregularidades na gestão das universidades públicas”. Segundo o deputado, o objetivo é apurar gastos com professores e funcionários e o “aparelhamento da esquerda” na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Isso é muito grave. Primeiro, porque se trata de uma absoluta inverdade, de uma suposição sem nenhuma comprovação, sem nenhuma base científica. A universidade é o lugar do pluralismo de ideias e acho que é um aspecto muito lamentável se a CPI enveredar por aí”, afirma Wagner Romão, cientista político e professor da Unicamp, em entrevista à repórter Ana Carrara, da Rádio Brasil Atual.

Para ele, as justificativas de criação da CPI não são claras e tampouco tem base na realidade. Wagner Romão destaca que, desde a campanha eleitoral de 2018 tem sido levantado na imprensa, de modo oportunista, o tema do suposto “esquerdismo” no meio universitário. Reconhecendo ser um olhar “otimista”, Romão pondera que a CPI pode recolocar a universidade no debate público. “As universidades têm muito a mostrar. Após a autonomia, aumentaram em grande potência as publicações em revistas científicas.”

Para a presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos, Flávia Calé, a proposta de criação da CPI não é um ato isolado e faz parte de sucessivos ataques contra as universidades públicas que têm acontecido, em todo o país, nos últimos anos. “A gente avalia que haja uma certa ofensiva aos lugares promotores do pensamento crítico. É até um raciocínio anticientífico que existe no Brasil e que tem atacado as universidades de muitos modos, desde a restrição ao financiamento, e passam também por uma perseguição.”

Ela pondera que o estado de São Paulo concentra boa parte da pesquisa científica do Brasil, sendo somente a USP responsável por cerca de 30% da pesquisa nacional. Desde a autonomia universitária, garantida na Constituição Federal, a USP aumentou em mais de 1.100% o indicador de produção científica de publicações de trabalhos em revistas conceituadas mundialmente.

A CPI pretende também discutir a mudança no modo como é apresentada a lista tríplice para a escolha dos reitores, atualmente feita pela comunidade acadêmica, e a transferência de recursos do Estado, ambas garantidas pelo princípio da autonomia universitária.

“Alguns querem que as indicações não sejam da comunidade acadêmica e que possam ser do parlamento ou do Executivo. Isso, sem dúvida, afeta a liberdade do pensamento crítico, a liberdade de cátedra”, afirma Flávia.

Na noite desta terça-feira (23), a deputada Beth Sahão (PT) ingressou com pedido de tutela de urgência no Tribunal de Justiça (TJ-SP) para suspender o trâmite da instalação da CPI, sob a alegação de que o pedido não preenche os requisitos previstos na Constituição estadual e no regimento da Assembleia.

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