Retrocesso

Covas ignora técnicos e muda merenda escolar para agradar vereadores aliados

Alteração contraria Conselho de Alimentação Escolar, ignora Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional e pode minar processo de ampliação da oferta de alimentos orgânicos na merenda escolar

Adriano Vizoni/Folhapress

Mudança na merenda pode representar retrocesso nas propostas de incentivo à alimentação saudável

São Paulo – A partir de 1º de maio, as creches privadas conveniadas com a prefeitura de São Paulo – que atendem crianças de zero a 3 anos – vão receber repasses em dinheiro para aquisição de produtos para a merenda escolar e não mais os alimentos adquiridos e distribuídos pela Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codae). A decisão do prefeito da capital paulista Bruno Covas (PSDB) contraria parecer do Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE) e é criticada por nutricionistas por possibilitar a aquisição de mais alimentos industrializados e dificultar a fiscalização da merenda. “Temos preocupação que isso afete a garantia da alimentação saudável nessa idade, que é bastante vulnerável”, disse a presidenta do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Vera Helena Lessa Villela.

As organizações parceiras da prefeitura sempre tiveram autorização para aquisição de carnes e podiam utilizar a verba per capita por aluno para aquisições de emergência. Mas agora, com a Instrução Normativa SME nº 7, as creches privadas conveniadas vão poder adquirir frutas, verduras, legumes e ovos por conta própria e sem precisar fazer prestação de contas dos itens adquiridos. A gestão Covas também aumentou o repasse de verbas às entidades em 3,85%, chegando a até R$ 704,41 por criança. O aporte anual será da ordem de R$ 100 milhões. 

Segundo Eduarda Kaiser, representante do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) no CAE, a gestão Covas está discriminando os alunos. “As crianças, principal foco do processo educacional, seja na rede parceira ou na rede direta, são as mesmas, mas passam a ter tratamento diferenciado. Acompanhar de perto o que cada entidade está fazendo é praticamente impossível frente ao pequeno número de nutricionistas na rede. Nos preocupa a brecha que se abre para o mau uso da verba pública e para a ausência de gêneros alimentícios fundamentais ao crescimento dos nossos pequenos”, explicou.

O próprio CAE emitiu nota no mesmo sentido, mas foi ignorado pela gestão Covas. “A aquisição e oferta de produtos como frutas, verduras e legumes será muito difícil de acompanhar e fiscalizar, pois é difícil de ser estocado”, diz a nota do conselho. A gestão Covas justificou a medida alegando problemas de logística para entrega dos produtos – que em alguns casos ocorre semanalmente –, maior autonomia para as unidades e incentivo ao comércio local. A medida foi bem recebida pelos vereadores aliados do prefeito, muitos dos quais ligados a entidades que mantêm convênios com a prefeitura.

A preocupação é que as entidades passem a adquirir menos alimentos in natura e mais alimentos processados, que são ricos em sódio e gordura. Também que isso possa significar redução na quantidade de alimentos oferecidos, já que o recurso será gerido apenas pelas organizações parceiras.

Para a presidenta do Comusan, órgão que também não foi ouvido pela gestão – como ocorreu com a proposta de distribuir a chamada ração humana nas escolas municipais –, o tempo de aplicação da medida é curto e pode prejudicar as crianças. “Além da nossa preocupação com a qualidade do que vai ser comprado, tememos que não haja tempo para que os repasses e mudanças necessários sejam feitos, deixando as crianças sem alimentação adequada”, explicou Vera. Para ela, a medida busca uma economia com a logística das entregas e pode ser considerada um efeito da Emenda Constitucional (EC) 95, que definiu o teto de gastos dos governos.

Há também um temor que a medida afete o plano de aquisição de alimentos orgânicos e da agricultura familiar para a merenda escolar. A meta prevista na Lei Municipal 16.140/2015 é de chegar a 100% de alimentos orgânicos na merenda até o ano de 2025. Durante o anúncio da mudança, na reunião do Fórum de Educação Infantil das Entidades Conveniadas do Município de São Paulo (FEI), com a presença de vereadores aliados de Covas, o secretário Municipal da Educação, João Cury, disse que a medida seria aplicada apenas aos cerca de 300 mil alunos da rede conveniada, dos cerca de 1 milhão de alunos na rede.

No entanto, dos 700 mil restantes, 500 mil estão em unidades cujas cozinhas têm contratos de terceirização, com a prefeitura pagando diretamente pelo prato feito servido ao estudante, sem interferir na aquisição do alimento. Ficam apenas 200 mil alunos como destinatários dos orgânicos. “A instrução não fala nada sobre alimentos orgânicos e da agricultura familiar. Hoje, as unidades parceiras recebem os alimentos da Codae. E não vão receber mais. É uma medida que pode tornar a continuidade da produção agroecológica inviável”, afirmou Vera.

Em 2018, a Codae superou a meta de aquisição de produtos da agricultura familiar. Por lei, ao menos 30% da verba oriunda do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) deve ser investida na compra desses alimentos. O que, no ano passado, representou R$ 120 milhões do orçamento de aproximadamente R$ 800 milhões da alimentação nas escolas pelo Pnae.

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