Estado de Exceção

Tribunal do Paraná condena estudantes que ocuparam escolas em 2016

Sem saber que estavam sendo processados pela gestão Beto Richa (PSDB) e Cida Borghetti (PP), alunos são condenados a pagar até R$ 30 mil por reintegrações de posse que nem existiram

Ascom/Defensoria Pública do PR

Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, foi ocupado por estudantes mobilizados contra o desmonte da educação pública, o congelamento dos gastos e a reforma do Ensino Médio

São Paulo – Sem que tivessem sido notificados pela Justiça do estado do Paraná, adolescentes paranaenses que participaram de ocupações de escolas públicas em 2016 foram processados pela gestão Beto Richa (PSDB) e Cida Borghetti (PP). Mais de uma centena deles receberam recentemente notificação de que esses processos judiciais redundaram em condenação.

Richa era o governador na ocasição do movimento. A vice, Cida, casada com o ex-ministro da Saúde de Michel Temer, Ricardo Barros, assumiu o governo este ano para Richa disputar eleição ao Senado. 

Segundo o Poder Judiciário do Paraná, o “crime” cometido por esses estudantes foi ter ocupado suas próprias escolas, exercendo o direito constitucional à manifestação, por melhorias no ensino público que possam beneficiar inclusive futuras gerações. Como pena, foi imposto o pagamento de valores que chegam a R$ 30 mil.

“Estudantes de diversas partes do estado têm recebido notificações, com sentenças com valores que vão de R$ 700 a R$ 30 mil ou trabalhos voluntários. Foram processados pelo governo estadual a título de reintegração de posse de colégios já desocupados há mais de um ano e meio”, disse o presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), Wellington Tiago. 

As ocupações foram parte da mobilização estudantil no estado em 2016, na qual os alunos denunciavam o desmonte na educação pública, o congelamento dos gastos na Educação e a reforma do Ensino Médio.

Segundo o presidente da Upes, os prédios foram desocupados no mesmo ano, na maioria dos casos dentro dos prazos e após mutirão para organizar o espaço. Mesmo assim, os processos de restituição de posse requeridos pelo estado do Paraná seguiram na Justiça. “Desde maio, mais de 100 estudantes já receberam as sentenças, que não param de chegar aos meninos e meninas entre 17 e 19 anos, que na época tinham entre 15 e 17.”

Não há informações sobre processos semelhantes nos estados Goiás, Ceará e Rio Grande do Sul. Alguns do alunos de São Paulo, os primeiros a ocupar escolas no início de novembro de 2015, contra o projeto de fechamento de escolas e de turnos noturnos em diversas partes do estado, chegaram a sofrer perseguição e intimidação por parte da polícia e a ser chamados para depor, mas não foram processados.

 

De acordo com o advogado especializado em direitos sociais Luiz Fernando Obladen Pujol, trata-se de processos envolvendo interdito proibitório ou reintegração de posse. Como as desocupações ocorreram de maneira voluntária em cumprimento a determinação judicial, sem que houvesse inclusive danos materiais, os processos deveriam ter sido extintos.

“Não havendo mais ocupação e inexistindo danos não há mais interesse de agir do Estado, podendo ocorrer julgamento antecipado e extinção dos processos”, disse o advogado, que presta assessoria jurídica aos estudantes.

Quanto a recursos, depende de cada caso, do estágio de tramitação de cada processo. “Mas por serem vários casos ocorrendo no estado, com situações idênticas, referentes a ocupações no mesmo período, eu aconselharia a avaliação de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ferramenta jurídica para solucionar os casos conjuntamente.”

Outra possibilidade para se reverter estas e outras eventuais condenações, afastando a responsabilização dos estudantes ou de seus responsáveis, seria a anistia para os estudantes.

Ontem (28), os deputados Requião Filho (MDB) e Tadeu Veneri (PT) protocolaram na Assembleia Legislativa do Paraná Projeto de Lei que concede anistia aos estudantes da rede pública estadual, suas respectivas entidades representativas, e a acadêmicos regularmente matriculados em instituições de ensino superior, pela participação em manifestações políticas contrárias à Medida Provisória nº 746, que institui a reforma do Ensino Médio, e à Proposta de Emenda Constitucional nº 55, convertida em Emenda 95, ocorridas no período de junho de 2016 a dezembro de 2016. 

O advogado Luiz Fernando estranha que protestos em defesa de melhores condições de ensino, partindo dos próprios alunos, sejam reduzidos pelo Estado e pela Justiça aos direitos reais – ramo do Direito que trata de posse e propriedade. “Reduzir as ocupações estudantis por melhoria na educação à questão possessória é partir de uma premissa falsa, que acaba servindo para legitimar a manipulação de instrumentos processuais visando a sobrepor a vontade do governante – o mero ocupante do cargo naquele momento – em detrimento dos interesses da população, dos direitos sociais e de sua efetividade e aperfeiçoamento.”

Esse tipo de comportamento do estado, de reprimir manifestações e protestos por direitos, segundo ele, não condiz com a democracia e a luta pelo direito. “Muitas vezes, este comportamento estatal apenas contribui para que os direitos sociais (educação, saúde, trabalho) se tornem apenas simbólicos, estejam apenas escritos no papel, sem efetividade alguma. Não se constrói um país calando seus cidadãos, muito menos a juventude.”

“Além disto, no caso das ocupações no Paraná, há claramente uma relação continuada entre alunos, escolas e governo, e se deveria ter cogitado pela mediação, por uma solução alternativa. Infelizmente a cultura da litigiosidade excessiva, ou seja, de processar indiscriminadamente, sem a devida atenção aos reais interesses envolvidos no contexto, está ainda muito presente na mentalidade de alguns juristas brasileiros menos atentos à evolução do processo civil.”

 Para saber mais:

Assista a fala de Ana Júlia Ribeiro, então com 16 anos, que calou deputados do Paraná ao explicar os motivos que levaram estudantes como ela a ocuparem as escolas em que estudavam.

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