Doutrinação?

Militarização de escolas públicas é ‘renúncia à educação’, diz especialista

Professor da USP José Sérgio Fonseca de Carvalho avalia que crescimento das escolas estaduais administradas pela Polícia Militar é uma afronta aos princípios da educação previstos na Constituição

Ministério da Defesa/Reprodução

Número de escolas estaduais administradas pela corporação saltou de 39 para 122, em 14 estados da federação

São Paulo – Nos últimos cinco anos, o número de escolas públicas geridas pela Polícia Militar cresceu 212% no país. Segundo levantamento feito pela revista Época, de 2013 a 2018, o número de unidades escolares administradas pela corporação saltou de 39 para 122, em 14 estados da federação. Na análise do docente da Faculdade de Educação e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), José Sérgio Fonseca de Carvalho, o aumento verificado reflete o que considera “renúncia à educação” promovida pelos governadores.

Ao jornalista Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, o pesquisador explicou que considera a escolarização dentro de parâmetros militares “uma violação da Constituição brasileira”. “O que eles (governos estaduais) têm feito é renunciar à própria ideia de educação para adotar um modelo do que seria escola que, embora apareça teoricamente como novidade, é oriundo de iniciativas do século XIX”, aponta.

A justificativa adotada por muitos governos que adotaram essa pretensa solução, a questão da disciplina, não se sustenta, segundo o pesquisador. “Em geral, se fala nessas escolas como um triunfo da disciplina. Ocorre é que a gente substancializa a disciplina como se ela fosse algo comum a todas as atividades, e isso não é verdadeiro”, explica. Para ele, esse tipo de escola se baseia em um lógica excludente. “Uma vez que se universaliza esse modelo, ele teria que lidar com aqueles com que não consegue lidar. Ou lido com aqueles alunos que estão completamente enquadrados, pelo que considero, ou estão fora. Os problemas que temos, e são inegáveis, de disciplina na escola e que precisam de ação e reflexão, vêm justamente do fato de que democratizamos o acesso à educação. Precisamos aprender a lidar com todos.”

Carvalho ainda fala a respeito da inação de certos movimentos que se dizem preocupados com a questão do ensino. “Me pergunto porque essa pessoal do Escola Sem Partido não está lá reclamando. Aliás, a palavra que eles usam, ‘doutrinação’, tem a ver com isso, com a impossibilidade de um pensamento divergente, a desnecessidade de apresentar razões, com tudo aquilo que acontece em uma escola militar. A única justificativa que poderia existir para um movimento tão esdrúxulo, importado e sem sentido como o Escola Sem Partido é combater as escolas militares, onde a palavra ‘doutrinação’ pode ter algum sentido.

“Para o docente, a substituição da autonomia do Estado dentro do projeto escolar por outra instituição, como a Polícia Militar, impõe à sociedade uma única lógica de funcionamento que trata os jovens em idade escolar como “peças a serem fabricadas”, negando a possibilidade de criação de sujeitos. Carvalho cobra ainda uma posição do Ministério da Educação, dos órgãos colegiados do setor e dos Ministérios Públicos estaduais quanto à adoção desse modelo.

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