Reforma do ensino médio

Governo cede a pressão de estudantes e professores e cancela evento em São Paulo

Manifestantes lotam palco e plenário no Memorial da América Latina e transformam audiência pública do MEC em ato de resistência contra a mudança que retira disciplinas e empobrece o currículo escolar

Reprodução/Youtube

O MEC cortou o áudio e tirou do ar a transmissão da audiência pública. Por fim, resolveu cancelar o evento que nem chegou a começar

São Paulo – Na manhã desta sexta-feira (8), estudantes e professores da rede pública lotaram um dos auditórios do Memorial da América Latina, na capital paulista, onde seria realizada audiência pública sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O evento faz parte da agenda do Conselho Nacional de Educação (CNE), que discute propostas para o currículo básico obrigatório em todas as escolas públicas e privadas. 

Para estudantes, alunos e especialistas em educação, a base proposta pelo governo de Michel Temer (MDB) para o Ensino Médio – que tem apoio de empresários do setor de educação interessados em sua privatização – modifica, para pior, a qualidade do ensino.

O próprio relator do tema no CNE, César Callegari, entende que as propostas do Ministério da Educação (MEC) constituem um atentado aos direitos dos jovens e por isso defende a revogação da reforma, instituída por meio de medida provisória.

Em maio, durante evento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Callegari afirmou que a base comum proposta, que destina 60% do total da carga ao ensino de Língua Portuguesa e Matemática, praticamente exclui o ensino de Química, Física, Sociologia, Geografia, Língua Inglesa, Artes e Educação Física. E permite que quase metade do currículo seja ministrado a distância.

A manifestação surpreendeu a organização da audiência pública. Prevista para começar às 9h, com transmissão ao vivo pelo canal específico do MEC sobre BNCC, só foi ao ar perto das 10h. Como era grande a presença de manifestantes, com cartazes e palavras de ordem contra a reforma, a organização tentou contornar a situação. Chegou a bloquear o áudio e derrubar a transmissão várias vezes. Em alguns momentos, tirou o foco das imagens do plenário, concentrando em um dos banners oficiais.

Por volta das 10h30, interrompeu definitivamente a transmissão e passou a reprisar um debate antigo, promovido pela editora espanhola Santillana, que ganha espaço na educação pública do país por meio de livros didáticos e sistemas de ensino. Vinculado ao MEC, o CNE decidiu então cancelar a realização da audiência. E ainda não definiu uma possível nova data.

Silvia Elena de Lima, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza (Sinteps), que representa os professores das escolas técnicas e faculdades de tecnologia estaduais de São Paulo, não acredita que o cancelamento da etapa paulista modifique o cronograma do CNE, composto em grande parte por empresários da educação. Mas avalia como positiva – e vitoriosa – a manifestação da manhã de hoje, que pode se repetir nas audiências marcadas para 5 de julho, em Fortaleza; 10 de agosto, em Belém, e 29 de agosto em Brasília.

“Foi bonito de ver. Os estudantes foram entrando e tomando conta. Logo tomaram todo o palco, a mesa, e disseram ‘nós vamos ficar’. O CNE todo lá, esperando a coisa se acalmar para tomar seus assentos”, conta Sílvia.

A dirigente defende mudanças no ensino médio, com mais investimentos e um currículo discutido desde o começo pelas partes envolvidas, como vinha sendo feito até a destituição da presidenta Dilma Rousseff.

“Queremos uma discussão séria e aprofundada sobre mudanças na educação. E não uma reforma autoritária, imposta por medida provisória, pautada em uma base curricular voltada para os interesses de empresas que estão avançando sobre a educação brasileira”, afirma.