Patrono da Educação

Diálogo e liberdade são essência de Paulo Freire, diz Moacir Gadotti

Presidente do instituto que leva o nome do educador acredita que falta espírito crítico e 'diálogo entre diferentes' no país. 'A liberdade é um fundamento da democracia. Ele era um democrata radical'

Marcelo Camargo/Agência Brasil

“O educador precisa construir sentido com o aluno, ele constrói conhecimento junto com o aluno”

São Paulo – Na manhã desta segunda-feira (23), um ato na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo defenderá a manutenção de Paulo Freire como Patrono da Educação Brasileira, título dado em 2012. Mais do que um decreto, está em jogo a própria educação democrática, diz o professor Moacir Gadotti, biógrafo e amigo do educador, e presidente do instituto que leva o seu nome. Um movimento conservador quer revogar a honraria.

“É uma ideia que está dentro de um conjunto maior e que revela algo mais profundo da própria sociedade. Há falta de espírito crítico, há muito xingamento”, afirma Gadotti. “Quando você ‘pessoaliza’, descaracteriza o fundamental: que ideias você quer, com que país você sonha? Está faltando um pouco de racionalidade nesses movimentos. É uma sociedade que precisa pensar um pouco mais, refletir, ter um processo de escuta do outro.”

Sobre os ataques a Freire, ele começa corrigindo quem o chama de “doutrinador”, afirmando que o educador era, na verdade, um “pensador crítico”. Esse é um dos pilares do pensamento freireano: “Para ele, a educação é sinônimo de diálogo, de abertura ao outro. Um ponto de vista não é um dogma a ser seguido, é uma opinião, uma crença”. Assim, defende-se um ponto de vista, mas a partir dele se estabelece um diálogo com os demais.

Outro “argumento” do movimento que quer revogar o título é de que Paulo Freire era um “marxista”. Gadotti novamente pondera: “Ele nunca foi repetidor de ideias, sempre foi crítico. Recebeu contribuições de vários autores, numa visão humanista. Ele cita Marx através de Erich Fromm (pensador alemão)”.

O professor define Paulo Freire como um democrata radical, defensor de um sistema em que todos tenham os mesmos direitos. “Todos os livros dele estão baseados na ideia de liberdade. A liberdade é um fundamento da democracia.” Nesse sentido, o ato de segunda-feira – entre outras manifestações em defesa de Freire, como um manifesto público – busca defender a democracia. “E a ideia de agregar todas as pessoas que prezam a liberdade, o direito de falar sem ser reprimido”, acrescenta Gadotti.

Livre expressão

Para ele, o movimento que está por trás da campanha contra Freire, o Escola sem Partido, defende a punição de professores que querem se expressar livremente, um direito assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394, de 1996). O direito de cátedra também é assegurado pelo Supremo Tribunal Federal. 

A educação se dá com uma construção comum de ideias, diz Gadotti. “O educador precisa construir sentido com o aluno, ele constrói conhecimento junto com o aluno. Não é doutrinador.” 

E é preciso refletir continuamente sobre esse processo, saber qual é a importância da escola. “Avaliamos de forma primorosa, mas não se pergunta o que estamos avaliando. Não adianta aprender isso ou aquilo, mas o sentido do que estamos aprendendo.” Ele acredita que, hoje, Paulo Freire está mais presente no movimento social, na educação popular, que do projeto de escola do Brasil.

Eles se conheceram em 1974 – ainda nos tempos de exílio do educador – e mantiveram a amizade até 1997, quando Freire morreu, aos 75 anos. “Em primeiro lugar, era uma pessoa bem-humorada, feliz, serena, gentil”, recorda Gadotti. “Tinha o hábito de escutar muito, e era muito coerente. Era educador 24 horas por dia.”

Chefe de gabinete de Freire durante a gestão dele como secretário municipal da Educação em São Paulo (governo Luiza Erundina, entre o final dos anos 1980 e início dos 1990), Gadotti lembra de um episódio quando os dois saíram para fazer uma refeição e o balconista perguntou se eles queriam uma nota fiscal do mesmo valor da refeição ou maior. Freire perguntou ao atendente se ele costumava fazer isso e recomendou que não fizesse mais, porque era um tipo de corrupção. “Ele era muito atento à prática para que a ética fizesse parte da vida dele.” Recorda ainda, que nas últimas entrevistas, Paulo Freire queixava-se muito da “sem-vergonhice” na política.

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