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Um ano após primeira ocupação em SP, crescem a consciência e a participação

Estudantes cobram mais democracia em decisões e inspiram um das maiores mobilizações da história do país. “A escola não é mais a mesma, e nós também não”, diz aluno de Diadema. Autoritarismo reage

Rovena Rosa/ABr

Escola estadual de Diadema foi a primeira a ser ocupada: em busca de espaços mais democráticos

São Paulo – Há um ano, estudantes da Escola Estadual de Diadema decidiram, em assembleia, ocupar o colégio localizado na região do ABC paulista contra o projeto de reorganização escolar do governo Geraldo Alckmin, que pretendia fechar escolas, e que após a mobilização foi suspenso pelo governador. De lá para cá, os estudantes paulistas seguiram o caminho da mobilização e conseguiram reformas nos prédios, oferta de cursinhos populares e, sobretudo, abrir caminho para aquela que hoje é uma das maiores mobilizações estudantis da história do país.

No último mês, escolas e universidades de 20 estados e do Distrito Federal passam ou passaram por um movimento de ocupação contra a reforma do ensino médio, prevista na Medida Provisória (MP) 746, e contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que restringe os investimentos sociais do governo federal, inclusive em educação, ambas propostas do governo Temer.

“Hoje os secundaristas pensam a escola como um espaço democrático”, conta o aluno de Contabilidade Rodrigo dos Santos Silva, que apoiou a ocupação e hoje dá aula em cursinho popular implantado na escola em agosto, por reivindicação e articulação dos próprios alunos. “Da mesma forma que eles foram inspirados por outros secundaristas, eles abriram caminho para ocupações em outros estados. Primeiro foi no Rio de Janeiro, depois em Goiás e agora esse movimento com milhares de escolas ocupadas em todo país.”

O número de universidades ocupadas chega a 171. O balanço oficial de escolas em movimento foi suspenso temporariamente devido à inconsistência de dados no Paraná, estado com maior número de ocupações. No auge, em 28 de outubro, eram 1.198 ocupações no país, 845 naquele estado.

No estado de São Paulo, a mobilização teve força no início do ano, com as ocupações especialmente de escolas técnicas. Em maio, a Procuradora-Geral do Estado liberou as delegacias regionais a recorrer à Justiça para fazer reintegração de posse de imóveis públicos ocupados. “Agora houve ocupações de diretorias de ensino e de escolas nos municípios de Embu das Artes e Taboão da Serra, mas foram todas desocupadas sem mandato”, lembra Rodrigo.

Marcelo Pinheiro/Brasileirosee-diadema.jpg
Douglas (esq.), com Raíssa e Kevin, na EE Diadema: ‘Exercemos direitos que sempre tivemos e não sabíamos’
Danilo Ramos/RBAfernao.jpg
José Vinícius, da escola Ana Rosa: ‘Fizemos sessões de cinema , shows, teatros e saraus. A escola nunca teve tanta vida cultural’

Diadema

Na Escola Estadual Diadema, os estudantes permaneceram ocupados por 42 dias, sofrendo pressões jurídicas, da imprensa comercial e de membros da direção da escola para que liberassem o prédio. De lá para cá, conseguiram reativar o grêmio escolar, garantir representação estudantil no Conselho da Escola, abrir o prédio aos sábados para a comunidade e implantar um cursinho pré-universitário popular e gratuito, que atende 150 vestibulandos da região. Organizaram também uma semana de debates com intelectuais e acadêmicos sobre a crise econômica e política do país no primeiro semestre e planejam outra ainda este ano.

Inspirados no movimento secundarista do Chile, às 19h do dia 9 de novembro de 2015, um grupo de 20 alunos ocupou a escola, prometendo ficar no local até obter um retorno no governador contra o projeto de reorganização do ensino. “Nosso objetivo é chamar a atenção do governo e obter uma resposta positiva. Nós estamos organizados pacificamente e temos o direito de ocupar o espaço público”, disse na época o porta-voz do grupo, que não se identificou.

“Antes da ocupação a própria diretoria escolhia os representantes do conselho e mantinha toda autoridade. Hoje é diferente: tudo passa pelo conselho, ela perdeu autoridade e a democracia aumentou”, diz o estudante Douglas Alves dos Santos, de 17 anos. “Os alunos conseguiram ter mais autoridade e poder na escola. Temos hoje o conhecimento de coisas que sempre deveríamos ter tido, direitos que sempre tivemos e não sabíamos, mas que começamos a exercer.”

Contra o avanço da cidadania, autoritarismo e repressão

É fato que o movimento dos estudantes elevou o grau de consciência. Mas também é que os governos estaduais, em especial em São Paulo, passaram a endurecer nas condutas que vão da perseguição à retaliação a estudantes.
Conforme reportagem publicada aqui na semana passada, Alckmin, além de tentar impor uma proposta de reorganização, ainda vem utilizando agentes da Segurança Pública do Estado para perseguir, coagir e até espancar estudantes.
A polícia é acusada de carregar lista com fotos e nomes de secundaristas e apoiadores do movimento. Ao ser abordado, o jovem é obrigado a reconhecer os colegas apresentados nas imagens. Quem não consegue, é espancado. As perseguições não cessaram, pelo contrário, se tornaram mais frequentes e e violentas, segundo fontes ouvidas pelo jornal GGN.

Outras ocupações

Algumas horas após da ocupação em Diadema, foi a vez da escola Fernão Dias, na zona oeste de São Paulo. A ação daqueles estudantes acabou se tornando um marco na luta dos secundaristas, depois de a unidade permanecer uma semana sitiada pela Polícia Militar. A partir daí, explodiram ocupações em todo estado. No auge do movimento, em 2 de dezembro do ano passado, os estudantes paulistas chegaram a ocupar 213 escolas em todo o estado contra o projeto, que pretendia fechar 94 escolas e transferir compulsoriamente 311 mil estudantes.

Os alunos se dividiram em comissões, que eram responsáveis pela limpeza da escola, preparo da comida, contato com a imprensa, controle dos portões e organização de atividades culturais. Foram feitas sessões de cinema ao ar livre, shows, teatros, saraus e leituras de poesias. “As escolas nunca tiveram tanta vida cultural como agora”, contou na época o secundarista José Vinicius da Escola Estadual Ana Rosa Araújo, na Vila Sônia, zona sudoeste de São Paulo.

Após 25 dias de intensa mobilização, o governador foi a público suspender o projeto e em seguida, o então secretário estadual da Educação, Herman Voorwald, pediu demissão. Os frutos do movimento, no entanto, ainda estão sendo colhidos: na Fernão Dias, o espaço da escola tem sido utilizado para atividades culturais geridas e planejadas pelos alunos, uma demanda antiga dos estudantes, conquistada apenas após a ocupação.

Na escola Caetano de Campos, uma das mais tradicionais de São Paulo, na região central, os alunos também conseguiram participar do Conselho de Escola. Em Perus, na zona oeste da capital paulista, estudantes da escola Gavião Peixoto conseguiram reforma da quadra do colégio e agora estão se mobilizando por melhorias para o anfiteatro. “As relações mudaram, os professores mudaram… A escola não é mais a mesma, e nós também não”, acredita Douglas.

Assista ao documentário Acabou a Paz – Isso aqui vai virar o Chile, dirigido por Carlos Pronzato

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