Mobilização

Nas ocupações, estudantes mineiros fazem a própria reforma do ensino médio

Em mais de 160 ocupações, alunos reforçam luta estudantil contra PEC 55 e colocam em prática um currículo do ensino médio bem diferente do atual e daquele que Michel Temer quer impor pela MP 746

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Aula de danças africanas integra programação da ocupação da UFMG

São Paulo – Ao ocupar 161 colégios estaduais em Minas Gerais, segundo divulgado hoje (10) pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), os estudantes secundaristas mineiros tornaram-se muito mais que protagonistas da luta contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que congela os gastos públicos, e da Medida Provisória (MP) 746, que fragmenta e empobrece o currículo do ensino médio: estão implementando nas ocupações um modelo de ensino médio que eles querem.

De acordo com Bruna Helena Fagundes, diretora da Ubes em Minas Gerais, os alunos estão construindo em cada escola, em parceria com os professores, um currículo conforme o que entendem ser importante para a sua formação.

“O combinado com a direção das escolas ocupadas é que não podemos interromper o funcionamento. E como o tempo de ocupação tem de contar como dia letivo, propusemos alterar a grade nesse período. As disciplinas mais importantes são intercaladas por atividades e oficinas que escolhemos de maneira coletiva. Há, por exemplo, oficinas de psicanálise, teatro, jardinagem. Fomos atrás dos professores, apresentamos a ideia, eles concordaram e fomos atrás de parceiros. Chegamos a oferecer oficinas de redação para o Enem”, conta Bruna.

Em todo o país, são mais de 585 ocupações. De acordo com a União Nacional dos Estudantes (UNE), estão ocupados 194 campi universitários. E há ainda 389 escolas  e duas secretarias de Educação, conforme a Ubes

As atividades, segundo ela, têm também o objetivo de trazer para dentro da escola amigos e familiares, que podem participar das aulas e debates. Um roteiro que vai além de palestras sobre os efeitos nocivos à saúde e à educação com o congelamento de investimentos caso a PEC seja aprovada no Senado. “Neste próximo domingo vai ter café da manhã e almoço especial na ocupação, com a participação das famílias.”

A Secretaria da Educação, conforme relata, tem enviado ofício a todos os gestores escolares, esclarecendo o direito dos estudantes de ocupar suas escolas como meio de manifestação. “Acaba sendo parceira também. Garante nosso direito e, em contrapartida, vamos garantir o funcionamento da programação, sem que tenhamos depois de repor aulas.”

Bruna explica que, em comparação com outros estados, em Minas, os estudantes não têm tido problemas. Houve conflitos às vésperas das eleições em escolas onde há votação, mas não há registro de problemas com a polícia militar. “Já aconteceram enfrentamentos, já que nem todos os dirigentes de escolas ocupadas são favoráveis à nossa luta. E quando aconteceu, foi mais pelo posicionamento até pessoal do policial quanto ao movimento, às ocupações, e não por determinação superior de reprimir os estudantes para inibir o movimento. E nem há pedido de reintegração de posse, nenhuma medida jurídica para desocupar. Como o Enem já passou, a tendência é o movimento continuar crescendo.”

Universidades ocupadas

Além dos colégios estaduais, há em Minas seis campi de institutos federais de educação tecnológica e 26 universitários ocupados. Entre eles, dois da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, da rede privada, em Belo Horizonte. De acordo com os estudantes, a ocupação, iniciada no último dia 3, segue tranquila. É desenvolvida ali uma programação com debates sobre a importância da democracia em uma conjuntura tão adversa.

Há assembleias, debates ou rodas de conversas, palestras e intervenções culturais diariamente. Os ocupantes se dividem em grupos de trabalhos que contemplam a organização interna a externa, com troca de experiências com as demais universidades e escolas ocupadas, e com os funcionários da unidade, que também serão diretamente afetados pela PEC.

Eles ressaltam que a manifestação não é contra a instituição de ensino particular, e sim contra as medidas em curso. Ressaltam que muitos alunos dependem de bolsas do ProUni e de contratos com o Fies – daí se mobilizarem contra a retirada de direitos.

A Associação dos Docentes da PUC mineira (Adpuc) divulgou carta de apoio às ocupações realizadas pelos alunos, colocando-se à disposição para ministrar oficinas e palestras. Ainda não foi confirmada pela reitoria medida jurídica para a desocupação.

Ocupada desde o último dia 24, a Escola de Arquitetura e Design (EAD) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conta com agenda de atividades e palestras. “O diferencial é que nossa ocupação acontece muito do lado de fora da faculdade”, afirma a estudante Camila. “Queremos dialogar com a comunidade todos os dias. Nas madrugadas, organizamos a programação completa do dia seguinte.

Mesmo as assembleias para decidir os rumos da ocupação são realizadas em área pública, no bairro Savassi, em Belo Horizonte. “Os diálogos são ótimos, por vezes algumas pessoas se posicionam contra a ocupação, então, incentivamos esta atitude e pedimos para que elas exponham suas opiniões”, afirma a universitária.

O movimento dos estudantes conta ainda com apoio dos professores, que participam dos debates. “Alguns professores são contrários, pois querem continuar dando as aulas, mas todos são contra a PEC 55.”

Ontem (9), os universitários convidaram pais e membros da comunidade para uma conversa. Para somar, eles utilizaram a cozinha da universidade para cozinhar alguns bolos e servir na porta da instituição. Hoje, a programação segue com aulas de ioga e sarau, além de preparativos para atos de amanhã.

Colaborou Gabriel Valery

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