Benefícios privados

Votação de crédito para Fies é jogo de cena, diz especialista

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acredita que liberação de recursos deve ser aprovada no Congresso para beneficiar universidades privadas

Tomaz Silva/ABr

“Com Temer as entidades privadas estão muito a vontade. É o governo delas”, diz especialista

São Paulo – O projeto que libera crédito extraordinário de R$ 702,5 milhões para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – que será votado amanhã (18) em uma sessão conjunta do Congresso (deputados e senadores) – deve ser aprovado sem grandes dificuldades, na opinião do coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Para ele, o setor privado tende a ser cada vez mais beneficiado pelo governo de Michel Temer. No entanto, ao “passar a bola” da decisão para o Congresso, o governo perde a oportunidade de melhorar a qualidade das vagas oferecidas pelo programa.

“Com o governo Temer as entidades (que administram as universidades privadas) estão muito à vontade. É o governo delas. Essa votação parece que na prática já está acordada. A liberação de recursos deve passar. É muita pressão”, disse. “O governo teria o poder de dizer não e não seguir as exigências das universidades. Poderia exigir que elas melhorassem a qualidade. Em vez de tentar encontrar solução que atenda o direito dos estudantes o governo joga na mão do Congresso para que ele regule. O que está acontecendo é um jogo de cena.”

A verba do Programa de Financiamento estudantil (Fies) é usada pelo governo para pagar a mensalidade de estudantes matriculados em universidades privadas. Ao fim do curso, o aluno paga o valor gasto pelo governo em diversas parcelas mensais. Há quatro meses o governo Temer atrasa o repasse a essas instituições de ensino. Segundo o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), os atrasados chegam a R$ 5 bilhões, referentes a pelo menos 2 milhões de contratos com 1.358 universidades.

“O governo tenta controlar a bomba relógio do Fies e as instituições privadas disputam essa tentativa de controle porque se acostumaram com um mercado com subsídio fortíssimo do Estado”, diz Cara. “Sempre tivemos um capitalismo de segunda categoria, sempre dependente do Estado. Agora, em vez de melhorar a qualidade ele diminui custos.”

No último dia 5, parlamentares já haviam se reunido para votar a liberação de recursos, mas faltou quórum. No dia seguinte, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que chamou a sessão conjunta de amanhã, enviou carta a Temer pedindo que editasse uma medida provisória liberando o recurso “em face do risco social envolvido”. Temer não chegou a responder oficialmente. O porta-voz da presidência, Alexandre Parola, se limitou a dizer em entrevista coletiva, na quinta-feira (13), que espera a aprovação do crédito nesta semana.

O Semesp defende que o Congresso aprove a concessão do crédito suplementar ao Orçamento da União para reforçar as dotações do Ministério da Educação, que pode receber um adicional de R$ 1,1 bilhão, segundo o previsto no Projeto de Lei nº 8, de 2016, já aprovado na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização da Câmara dos Deputados. Parte dessa verba iria para o Fies.

“O contexto atual da educação superior do país apresenta um cenário de queda no número de alunos, que se sentem inseguros para enfrentar os custos de formação”, afirma o presidente do sindicato das mantenedoras, Hermes Ferreira Figueiredo. “O corte aplicado nas verbas dos programas de educação têm desencorajado muitos dos jovens que pensavam em dar prosseguimento aos estudos, sendo que os mais atingidos são os estudantes da classe C, responsáveis por 75% dos contratos ativos firmados com o Fies.”

Histórico

“No final de 2010, o Fies se transformou em uma bomba relógio orçamentária: todas as matrículas que poderiam entrar foram aprovadas, mesmo de estudantes que podiam pagar. Houve até campanha para incentivar a adesão”, lembra Cara. “Como os juros são subsidiados, o Estado teve de fazer uma regulação. Muitos dos estudantes não conseguiam honrar o compromisso, até porque as matrículas do Fies são em instituições de baixa qualidade e dificultam a entrada no mercado de trabalho.”

Em dezembro de 2014 a presidenta Dilma Rousseff fez uma reforma considerada corajosa para desarmar a bomba-relógio: criou critérios para a distribuição das matrículas do Fies. Para ter acesso ao financiamento os estudantes deveriam ter um bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e as universidades deveriam oferecer determinada estrutura e qualidade para aderir ao programa.

“Aumentou a regulamentação e isso travou um pouco o número de matrículas. Mas os estudantes acabaram sendo prejudicados, inclusive os já matriculados. Eles não tinham responsabilidade sobre uma irresponsabilidade do governo”, disse Cara. “Agora o governo continua em uma tentativa de controle, mas com forte disputa do setor privado.”

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