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Ana Júlia, a jovem que calou deputados, não está só

RBA visitou escolas de Curitiba para conhecer quem são e o que querem os estudantes que estão ocupando suas escolas e constatou: a jovem que virou símbolo de luta e resistência está em boa companhia

Rede Brasil Atual

Curitiba – Maria, Paulo, Marina, Pedro, Juliana, João, Vitor, José, Ana. Quem são esses jovens, estudantes de escolas públicas no Paraná, que estão dando uma das mais importantes respostas aos retrocessos que o Brasil vem sofrendo em 2016? Na última semana, a reportagem da RBA visitou, fez entrevistas e participou de oficina na periferia de Curitiba para dar voz a esses jovens que estão em mais de 800 escolas ocupadas no Paraná.

Alguns pediram sigilo, outros deram declarações e assumiram posição de peito aberto, mas a reportagem trocará seus nomes e não dirá de que escolas são para que não fiquem marcados, até porque a maioria é menor de idade, entre 13 e 17 anos, jovens que pela primeira vez participam de uma atividade política.

E essa é uma das principais características que chama a atenção. Dos mais de 20 entrevistados, todos afirmam não ter ligação com partido e a maioria nunca participou de algum movimento político. Como diz Paulo, “a gente nem se conhecia direito antes, não tem militância até hoje. Sou contra todos os partidos.” Maria confirma: “O governador (Beto Richa, PSDB) e quem é contra a ocupação está falando que a gente é petista, ninguém aqui é petista. Recebemos palestras e oficinas de gente que dizia ser de partido A ou B, mas isso não influenciou a gente”.

Perguntados então sobre o porquê das ocupações, a maioria fala que está preocupada com o futuro das escolas por conta da reforma do segundo grau, mas, mais que isso, com o futuro do Brasil. “Estamos na ocupação para o Estado saber que a gente tem voz, pra reivindicar nossos direitos, o direito de estudar, de ter uma saúde de qualidade. Por tudo o que vai ser retirado da gente com essas leis que estão impondo”, afirma Juliana.

Paula acrescenta: “Queremos barrar a reforma do segundo grau, a reforma da Previdência, a PEC 241, que congela os investimentos em saúde e educação… Mas o que a gente mais quer é o apoio das pessoas que vão perder com isso. A gente não está fazendo isso só pelo ensino médio, mas também pela Previdência, pela Farmácia Popular, que eles querem tirar. A saúde já está precária e eles querem piorar. E as pessoas não conseguem enxergar”. Marina conclui: “Porque as leis são escritas pro pessoal da elite entender. O pessoal mais carente não consegue entender da forma que eles escrevem. Daí este governo faz o que quer”.

Além de não conseguirem enxergar o que esses jovens estão dizendo com suas ocupações, muitos pais, pessoas do bairro e mesmo colegas pressionam para que parem com o movimento. Há falas veladas, xingamentos, ameaças de agressão física ou até coisa pior. “Estamos sofrendo ameaças de invasão. Hoje mesmo chegou uma aluna perguntando o que estava acontecendo e a gente explicou. Ela virou e disse que segunda-feira vão tirar a gente daqui”, diz Paulo. “Se vierem, não vão vir desarmados, vai dar muita ‘m…’. A gente conhece a comunidade. Mas estamos preparados para qualquer coisa, psicologicamente e fisicamente. A gente está preparado, mas não sabe na hora o que vai acontecer.”

Em outra escola, os relatos são parecidos. “Tem pressão de todo lado, dos moradores, alguns comerciantes falaram que a gente é vagabundo, que é uma palhaçada. Dos pais também, que perguntaram quando isso vai acabar, que os filhos deles querem estudar”, diz Ana. “A decisão até agora é que gente vai resistir, vai ficar até o final. Hoje nosso diretor veio dizer que tem uma medida da justiça de desocupação, que vamos ter de sair. A gente falou: ‘Tudo bem, quando vier, a gente sai. Depois ocupa de novo’.”

Além da pressão externa, pais que apoiavam os filhos nas ocupações passaram a ficar preocupados por conta da cobertura dos grandes meios de comunicação. “Muitos pais são contra pelo medo de que aconteça alguma coisa com a gente. Antes apoiavam, mas agora estão com medo por causa do que passa na RPC (retransmissora da TV Globo em Curitiba). A RPC só passa desgraça, nada da parte boa”, conta Ana. Ela diz que no começo dormia na escola, mas agora eles só a deixam ir durante o dia.

“Esse é o problema, as pessoas aceitam sem saber. O governador falou aquilo (para os pais retirarem os filhos) e elas vão lá e fazem. Vão pelo que diz a mídia, sem tentar entender o que está acontecendo”, afirma Juliana. A mãe dela é uma das exceções. “Os pais da maioria dos que estão aqui são contra, mas minha mãe apoia. Ela até escreveu no Facebook que prefere ter uma filha que vai atrás do seu sonho, que luta pelo futuro do que ter um filho lá o dia inteiro na internet.” Além de poucos pais, os estudantes vêm recebendo apoio de uma minoria dos professores de suas escolas, de pessoas ligadas a movimentos sociais, sindicatos e universidades locais. São feitas doações de alimentos, ocorrem oficinas, aulas e workshops.

Apesar do pouco apoio e da pressão que virá depois de passadas as eleições municipais, fica a pergunta final: o que esperam que ocorrerá no final desse movimento. Antonio é quem responde: “Mesmo que a gente seja derrotado e a PEC (55, em trâmite no Senado, que prevê congelamento dos gastos públicos por 20 anos) aprovada, pelo menos a gente tentou. O governo faz o que quer e a população sofre calada. Nós, estudantes, estamos tendo essa iniciativa. A gente não quer que acabe por causa das ameaças, que a gente acabe agredido. A gente quer sair quando decidir. Não ser forçado”.

PS: Depois que este texto foi finalizado chegou a informação de que estudante de uma das escolas visitadas foi agredido na rua no último domingo. Ficou bem machucado, mas foi medicado e agora está bem. Embora ele quisesse continuar, a ocupação em sua escola não resistiu.