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‘Não ocupamos por bagunça, mas porque acreditamos no futuro do Brasil’

Secundarista do Paraná vai ao plenário da Assembleia Legislativa e convida deputados a conhecer ocupações. Brasil soma hoje 1.154 escolas ocupadas contra medidas propostas por Temer

Pedro de Oliveira/Ass. Leg. PR

Ana Julia e Nicoly Moreira se posicionaram contra PEC 241 e contra reforma do ensino médio

São Paulo – “De quem é a escola? A quem ela pertence? Acredito que todos aqui saibam a resposta.” Foi assim que a secundarista paranaense Ana Julia Pires Ribeiro, de 16 anos, iniciou seu discurso no plenário da Assembleia Legislativa do estado, na tarde desta quarta-feira (26). Ana Julia se dirigiu aos deputados com alertas sobre as demandas do movimento estudantil, que já ocupa 1.154 escolas pelo país contra a reforma do ensino médio e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, ambas medidas do governo de Michel Temer.

“Os colégios do Paraná e do Brasil estão ocupados pela educação. Não estamos lá para fazer baderna, não estamos lá de brincadeira. Lutamos por um ideal, porque a gente acredita no futuro do nosso país, que vai ser o país dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos, e eu me preocupo com esse país”, disse a jovem, aluna da Escola Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães.

O Paraná é o estado com o maior número de escolas ocupadas: 845 no total, seguida por Minas Gerais (69), Rio Grande do Sul (14) e Distrito Federal (12). De acordo com o levantamento da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Em todo o país, são 1.047 escolas e institutos federais ocupados, além de 102 universidades, três Núcleos Regionais de Educação e outro espaço ainda não identificado pelo movimento.

“Se vocês ainda duvidarem da legitimidade do nosso movimento, os convido para participar das ocupações, para nos visitar e conhecer de perto o que fazemos. É um insulto a nós, que estamos nos dedicando, sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes e aos professores”, disse Ana Julia, emocionada. “Nós estamos na escola e não somos vagabundos como dizem aqui. Estamos lutando por um ideal, porque acreditamos nele”, insistiu.

Os estudantes protestam contra a reforma no ensino médio, prevista na Medida Provisória 746, que foi anunciada pelo governo Temer em 22 de setembro. A MP foi duramente criticada por especialistas, que defendem que ela é ultrapassada e que fragmenta a formação. A reforma prevê, por exemplo, a flexibilização do currículo para que os alunos escolham entre as áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser obrigatórias e os professores não precisariam mais ter diploma de licenciatura.

“A Medida Provisória está prevista na Constituição, mas para casos emergenciais. Nós precisamos de uma reforma no ensino médio e em todo sistema educacional, mas ela precisa ser debatida e feita pelos profissionais da área de educação. O projeto tem lados positivos, mas tem muitas falhas e, se colocarmos ele em prática assim, o Brasil estará fadado ao fracasso”, seguiu.

A estudante lembrou que a MP do Ensino Médio não é a única reivindicação do movimento: “Tem também a chamada lei da mordaça e a proposta de Escola Sem Partido. É uma afronta: uma ‘escola sem partido’ é uma escola sem senso crítico, é uma escola racista, é uma escola homofóbica. É falar para os estudantes que querem formar um exército de não-pensantes, que só ouve e baixa a cabeça, e não somos isso”, afirmou. “Em pleno 2016 querem nos colocar um projeto desse? Isso nos insulta, nos humilha e diz que não temos capacidade de pensar por nós próprios, mas não vamos baixar a cabeça.”

Nas ocupações, os estudantes também protestam contra a PEC 241, que congelará os investimentos públicos por 20 anos, inclusive em educação, prevendo apenas o reajuste pela inflação do ano anterior. Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) estimaram que, se a lei valesse desde 2005, os recursos para a educação em 2015 teriam caído de R$ 98 bilhões para R$ 24 bilhões.

“A PEC 241 é outra afronta, inclusive para a Constituição cidadã de 1988. É uma afronta à Previdência, à saúde, à educação e à assistência social. Não podemos deixar isso acontecer e cruzar os braços”, disse Ana Julia. “Somos um movimento apartidário, que se preocupa com as gerações futuras, com a sociedade e com o futuro do país. Que futuro o Brasil vai ter se não nos preocuparmos com uma geração de pessoas que não vão ter senso crítico e acreditar apenas no que estão lendo?”

O clima na sessão chegou a ficar tenso quando a jovem citou o episódio em que o estudante Lucas Eduardo Araújo Mota, também de 16 anos, foi encontrado morto na Escola Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, na última segunda-feira (24), com perfurações no tórax e no pescoço. O estabelecimento está ocupado desde o dia 14 de outubro.

“Os que estão aqui representam o Estado e os convido a olhar as mãos de vocês. Elas estão sujas com o sangue do Lucas”, declarou. Nesse momento, o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), interrompeu o discurso e ameaçou suspender a sessão. “Aqui você não pode agredir os parlamentares. Ninguém está com a mão suja. Vou exercer minha autoridade”, disse Traiano. “Peço desculpas, mas o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diz que a responsabilidade pelos adolescentes é da sociedade, da família e do Estado”, respondeu Julia, sendo bastante aplaudida por parte plenário.

Outra estudante, Nicoly Moreira do Nascimento, de 15 anos, aluna do Colégio Estadual Santa Felicidade, também falou no plenário da assembleia paranaense. Ela defendeu as ocupações, reafirmou que o movimento é pacífico e que luta por uma educação melhor. “O que me motivou a estar aqui hoje foi saber que tem muitas pessoas que ainda estão apoiando (o movimento). Que dentro do movimento tem jovens querendo educação”, disse. “Estamos aqui para defender as ocupações, que são pacíficas, ocupações onde a gente não tem intenção de prejudicar ninguém. Todos querem ter o direito à educação. A gente também quer, mas não quer ter o direito de estudar para tirar um seis e passar de ano. Quer ter o direito de estudar para obter conhecimento.”

“O movimento estudantil nos trouxe um conhecimento muito maior de política e cidadania do que todo o tempo que estivemos sentados enfileirados nas aulas padrão”, defendeu. “Apesar da ridicularizarão, de sermos ofendidos e dos problemas que vamos enfrentar, a gente ainda consegue ter felicidade, porque percebemos que deixamos de ser meros adolescentes e nos tornamos cidadãos comprometidos.”

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