Privatização

Conflitos de interesse e improviso marcam OS que disputam gestão de escolas de Goiás

Criadas e certificadas a toque de caixa pelo governador Marconi Perillo (PSDB), muitas das organizações sociais não têm sites na internet nem tampouco sedes em funcionamento

Valter Campanato/ABr

Os estudantes chegaram a ocupar 26 escolas contra a transferência da gestão para as organizações sociais

São Paulo – Além de pendências na documentação, que levaram a Secretaria Estadual da Educação de Goiás a adiar a abertura dos envelopes para o próximo dia 25, as dez organizações sociais (OS) interessadas em assumir a gestão de 23 escolas de Anápolis nesta primeira fase do projeto de privatização são marcadas por indícios de conflitos de interesse, falta de transparência e até mesmo improviso.

Ontem (17), o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Goiás e o Ministério Público de Contas do Estado recomendaram o adiamento da convocação até que as irregularidades sejam solucionadas. Entre as irregularidades do edital, eles apontam prejuízos à valorização dos profissionais de educação já que o governo estipula valores a serem repassados às entidades sem divulgar os critérios utilizados na sua definição, além de não ter ouvido a comunidade escolar – o que levou à onda de ocupações de 26 escolas por estudantes.

Até setembro passado, quando o governador Marconi Perillo (PSDB) já tinha anunciado o projeto de transferir a gestão de escolas para a iniciativa privada, apenas o Instituto Brasileiro de Cultura, Educação, Desporto e Saúde (Ibraceds) estava qualificado. Na falta de interessados para o projeto, o governo passou a estimular a criação dessas organizações. Tanto que em dezembro certificou duas entidades, outras quatro em janeiro e cinco apenas neste mês de fevereiro.

Setor gráfico

De acordo com o professor da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG) Rafael Saddi – que anteontem foi preso pela Polícia Militar por protestar contra as irregularidades na abertura dos envelopes – a Ibraceds é presidida por Antonio de Souza Almeida, proprietário da editora Kelps, vice-presidente da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) e presidente do Conselho de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de Goiás, do Sigego/Abigraf, o sindicato das gráficas de Goiás e articulista do Diário da Manhã.

“Trata-se, pelo que me parece, de uma figura de confiança do governador Marconi Perillo. Ele publica constantemente artigos para o Diário da Manhã glorificando o senhor Marconi Perillo e seu governo”, afirmou Saddi em entrevista à RBA. O professor desconfia de um possível favorecimento do governo neste processo de licitação. “Um empresário que comanda empresas do setor gráfico, estratégico no mercado educacional e nas relações com o governo.”

O empresário, segundo Saddi, esteve envolvido em processo de fraude de licitações do governo do estado de Goiás em janeiro de 1999, para a confecção de um livreto sobre os resultados das eleições de 1998. Das três empresas que concorreram, venceu a gráfica chamada Mercosul, de propriedade de Leandro Rodrigues de Almeida, filho de Antonio de Sousa de Almeida, dono da Kelps.

O endereço da OS, conforme a Receita Federal, é o mesmo da Editora Kelps. Um sócio da Ibraceds, segundo Saddi, André Luiz Braga das Dores, foi diretor do Hospital Geral de Goiânia. Em 2011, foi acusado pelo MP de estar envolvido no escândalo de fraude no fundo rotativo dos hospitais públicos. Mesmo assim, permaneceu até 2014, quando resolveu pedir exoneração. Na época, o MP já tinha entrado com outra ação contra ele e contra outras fraudes em hospitais públicos, que envolvia o então secretário de Saúde à época, Antonio Faleiros, hoje secretário extraordinário responsável por qualificação e contratação de organizações sociais, e André Luiz Braga das Dores, do Ibraceds, que ainda está no MP.

Indicado por Perillo

Há também conflito de interesses entre o governo e o Instituto de Educação, Cultura e Meio Ambiente (ECMA). Ex-reitor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) indicado por Perillo em 1999, José Izécias de Oliveira é o diretor geral da entidade em funcionamento desde 4 de setembro de 2015. Entre as atividades principais estão o apoio à educação.

De acordo com Saddi, permaneceu no cargo até 2006. É filiado ao PSDB, partido do governador, desde 2005. “Indicado pelo governador para cargo público, colega de partido e um dos membros da Comissão de Seleção das OS, não poderia concorrer à seleção pública”, afirmou Saddi, acrescentando que pesam ainda contra Izécias suspeitas de irregularidades frente à direção da UEG. A mais conhecida é a chamada operação Boca do Caixa, investigada e denunciada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-GO, que levou à prisão um dos membros do grupo de Izecias, além de bloquear os bens deste reitor e de outros associados a ele, dentre os quais estava inclusive o ex-prefeito de Anápolis. O esquema consistia no repasse à universidade de recursos recolhidos com taxas pagas por professores para cursar um programa de Licenciatura. O processo contra Izecias e seu grupo foi arquivado.

Nem site na internet

Aparentemente improvisadas, há organizações que ainda nem têm uma página na internet com informações sobre sua atuação, experiência e indicação de seus responsáveis. É o caso do Instituto Brasil Central de Educação e Saúde, Instituto Consolidar, Inove e da Associação Nacional de Ensino e Cultura (Educar). Esta, conforme dados da Receita Federal, tem o mesmo endereço da unidade 2 do Colégio Desafio, em Goiânia, voltado à educação superior (graduação e pós-graduação) e treinamento profissional desde novembro de 1998.

Outras até têm a página, porém, suas informações são incompletas e imprecisas. A Fundação Antares de Ensino Superior, Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (Faesp) anuncia ter cursos de graduação, pós-graduação, complementação e extensão, sem informar quais são esses cursos, onde são ministrados e o quadro de docentes.

O Instituto Brasileiro de Educação e Gestão Ambiental (Ibeg), em atividade desde novembro de 2002, tem entre suas atividades o ensino e cursos preparatórios para concursos, treinamento em informática, desenvolvimento profissional e limpeza de prédios, além de regulação das atividades de saúde, educação, cultura e outros sociais. Seu site oficial, porém, aparenta estar em sua maior parte “em construção”.

Há ainda entidades com experiência em outras áreas. A Olimpo Educacional, aberta em junho de 2015, é braço do Grupo Olimpo, que compreende escolas de ensino médio, curso pré-vestibular, editora e sistema de ensino em Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais e Tocantins.

Em operação desde 28 de maio de 2009, a OS Grupo Tático Resgate tem como atividade principal o apoio à gestão da saúde. Porém, conforme sua página na internet, a instituição tem em seu conselho de administração profissionais de renome em educação, com experiência comprovada em gestão de unidades de ensino.

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