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Para faculdade da USP, reorganização é ‘irresponsável’ e incentiva privatização

Docentes da Educação consideraram que governador paulista foi autoritário e que desrespeitou estudantes e professores. Em carta aberta, pesquisadores declararam apoio às ocupações

Danilo Ramos/ RBA

Contra fechamento de 93 escolas, alunos e pais ocupam 191 instituições de ensino

São Paulo – A Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo lançou um documento público no qual considera que a proposta de reorganização da educação feita pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), é “irresponsável”, tem um objetivo puramente econômico e incentiva a privatização da educação. Pelo projeto, pelo menos 93 escolas estaduais serão fechadas. Como resposta, alunos e pais ocupavam até o início da noite de hoje (26) 191 instituições de ensino em todo o estado.

O documento destaca que o projeto demonstra “descaso e desrespeito às crianças e aos jovens, estudantes das escolas públicas” e que é uma “agressão” contra todos os que trabalham em prol da educação. Professores, pesquisadores e estudantes da USP ressaltaram também que a Secretaria Estadual de Educação agiu de forma autoritária, com intenção unicamente de economizar o dinheiro da pasta, sem preocupação com a melhoria da qualidade do ensino.

“É preocupante constatar, na política adotada, uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que, associada a iniciativas como a da flexibilização do currículo do ensino médio, o fechamento de salas no período noturno, a diminuição da oferta de vagas para Educação de Jovens e Adultos, entre outras, apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino”, diz o texto.

Os docentes da instituição acreditam ainda que a suposta reorganização da educação paulista acarretará na ampliação de pequenas escolas privadas “para as quais a população se dirige descrente da possibilidade de um serviço público de qualidade” e que ela abre brechas para uma “orientação empresarial na organização da escola”.

Por isso, os membros da Faculdade de Educação da USP declararam total apoio às ocupações de escolas e reiteraram que mudanças na educação estadual “devem ser implementadas após debates amplos e consulta, por meio de audiências públicas”.

Confira o documento na íntegra:

Manifestação da Faculdade

A Congregação da Faculdade de Educação da USP, em sua 468a. Reunião Ordinária realizada em 29/10/2015, deliberou pela aprovação do seguinte Documento:

A Congregação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) vem a público manifestar sua indignação e veemente repúdio em relação à Reforma Educacional apresentada pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP) que, baseada na separação das escolas por nível de ensino, acarretará o fechamento de inúmeros estabelecimentos.

Entre outras evidências, nas medidas tomadas, chama a atenção o descaso e o desrespeito às crianças e aos jovens, estudantes das escolas públicas, bem como a seus familiares e ao conjunto dos professores e funcionários que trabalham nos locais, que encerrarão abruptamente o atendimento em 2016, provocando sua remoção forçada e previsível desemprego, e a junção impositiva de turmas de estudantes.

A SEE/SP, nesta forma autoritária de agir, sem que qualquer diálogo tenha sido feito com os diretamente atingidos, nega, na prática, a educação como direito social fundamental, tratando-a na perspectiva da lógica mercantil e colocando a população e os profissionais diretamente atingidos como cidadãos de segunda categoria, além de praticar uma agressão a todos os que trabalham em prol da educação pública de qualidade.

A FEUSP considera-se, dessa forma, também atingida. Como formadora de profissionais para a educação, desenvolve estágios e outras atividades junto à rede estadual. A questão ética e de compromisso com a população atendida por esta escola é, sem dúvida, um eixo constitutivo da formação desenvolvida. Impossível, portanto, silenciar, quanto às consequências imediatas e de médio prazo dessa medida.

É preocupante constatar, na política adotada, uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que, associada a iniciativas como a da flexibilização do currículo do ensino médio, o fechamento de salas no período noturno, a diminuição da oferta de vagas para Educação de Jovens e Adultos, entre outras, apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino.

O projeto de reestruturação do governo vem completar o processo de municipalização do Ensino Fundamental, o que está explícito no Projeto de Plano Estadual de Educação, encaminhado pelo executivo estadual para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Conforme indicado na meta 21 desse projeto o objetivo é “promover, até o final da vigência do Plano Estadual de Educação (PEE), a municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental”.

Cabe reforçar que, na passagem de 1995 para 1996, o processo de reorganização provocou o fechamento de 150 escolas, com a diminuição de 10.014 classes, E, entre 1995 e 1998, a rede estadual diminuiu 376.230 alunos atendidos com um decréscimo de 5,61%, enquanto, a rede municipal aumentou 841.860 atendimentos, crescendo quase 60%. Tais medidas, como sabemos, não promoveram a melhoria da escola pública estadual, de suas condições de ensino e trabalho.

Pode-se esperar que a reorganização das escolas estaduais desencadeie a ampliação de pequenas unidades privadas que já se espalham nos bairros e para as quais a população se dirige descrente da possibilidade de um serviço público de qualidade. E, como denunciam os nossos colegas da Faculdade de Educação da Unicamp em sua Moção de Repúdio aos atos arbitrários da Secretaria Estadual da Educação, a municipalização tem sido um terreno fértil para os processos de privatização da escola pública, seja com a aquisição dos denominados “sistemas de ensino” de escolas privadas, via o apostilamento, seja para a ampliação das contratações terceirizadas, com as parcerias público-privadas e/ou com os contratos de gestão privada para o ensino público.

No Projeto de Plano Estadual de Educação encaminhado pelo governo, está evidenciada a orientação empresarial na organização da escola. A estratégia 6.7 que trata do Ensino em Tempo Integral, afirma: “Estimular, em regime de colaboração, a apropriação dos espaços e equipamentos públicos e privados, articulando ações entre esses e as escolas, de forma a viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo”. Não é descabido, portanto, considerar que as medidas propostas irão fortalecer a configuração de um mercado que poderá se abastecer, em breve, de recursos públicos.

Nas atuais circunstâncias, nós, estudantes, professores e pesquisadores da Faculdade de Educação da USP, manifestamo-nos contrários ao projeto que orienta a reorganização das escolas estaduais e declaramos nosso apoio aos estudantes, pais e professores que, mobilizados nas ruas, defendem a escola pública e questionam o projeto de reorganização, exigindo diálogo com setores do governo.

Nessa direção, e em total acordo com as manifestações das forças políticas – partidos e entidades científicas e sindicais de educadores e estudantes – que contestaram, nas recentes audiências públicas, a proposta de Plano Estadual de Educação apresentada pelo executivo paulista, nos dirigimos à Secretaria da Educação do Estado para reivindicar gestão democrática e transparência administrativa, que sejam apresentadas as informações que subsidiam a proposta de reorganização da rede estadual e as medidas para o estabelecimento imediato do diálogo com a comunidade escolar do estado de São Paulo.

Reiteramos que quaisquer mudanças na organização da educação do Estado só devem ser implementadas após debates amplos e consulta, por meio de audiências públicas, à comunidade escolar e acadêmica especializada.

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