Privatização da educação

Governo tucano do Pará contrata escola particular para dar aulas de recuperação

Sem negociar reposição com professores da rede estadual, Simão Jatene (PSDB) contrata rede privada; estado também anunciou contratação de OSs para dirigir escolas estaduais

Arquivo/SINTEPP

Precariedade: governo admite faltar infraestrutura para atender a todos os alunos. PSDB comanda o Pará há 20 anos

São Paulo – Passados 95 dias do final da greve e retorno ao trabalho, os professores da rede estadual do Pará ainda não puderam repor as aulas da paralisação entre 25 de março e 5 e junho. Muitos deles ainda têm o contracheque zerado e, por influência do governador Simão Jatene (PSDB), a Justiça estadual ainda não julgou liminar do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp) contra os descontos dos dias parados.

No entanto, em julho e agosto o governo tucano do Pará publicou o edital 026/2015 para a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços educacionais destinados à realização de aulas de recuperação de conteúdos e aplicação de provas e simulados com disponibilização de material didático para alunos de 5° e 9° anos do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio, regularmente matriculados na rede pública de ensino estadual e municipal do Pará.

Conforme o edital, o processo licitatório obedece regras estipuladas no contrato de empréstimo como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para financiamento do Programa Melhoria da Qualidade e Incremento da Cobertura da Educação Básica no Estado do Pará. O valor é de R$ 10.912.050,00.

Conforme a Agência Pará, do governo estadual, o edital se refere a reforço para estudantes de nove municípios em escolas particulares para preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a Prova Brasil, que integra o Ideb. Os recursos utilizados na compra de vagas em escolas particulares também são do BID, mediante financiamento para o programa de melhoria da qualidade. Devem ser atendidos 27.650 estudantes por mês.

Ainda segundo o governo, as aulas, provas e simulados serão realizadas no prazo de três meses (de meados de agosto a novembro) em instituições de ensino dos municípios de Ananindeua, Belém, Benevides, Breves, Castanhal, Marabá, Marituba, Santa Izabel do Pará e Santarém. As aulas abrangerão o Ensino Fundamental – Língua Portuguesa e Matemática (5º e 9º anos)e Ensino Médio – Matemática, Português, Redação, Física, Química e Biologia (3º Ano).

Conforme havia anunciado o secretário de educação Helenilson Pontes em reuniões do Pacto pela Educação do Pará, no final de junho, seriam ofertadas vagas em instituições da rede privada de ensino a estudantes da rede pública estadual e municipais como reforço na preparação das duas avaliações nacionais deste ano, ou seja, alunos do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental, para a Prova Brasil, que mede o IDEB, e do 3º ano do Ensino Médio para o Enem.

A decisão de recorrer à prestação de serviços, conforme o próprio governo, é a falta de “infraestrutura física e pedagógica (docentes) na magnitude e abrangência geográfica necessária para desenvolver essa atividade complementar aos alunos”. E que o “Projeto de Recuperação de Conteúdos (reforço escolar) insere-se em um contexto mais amplo que, além da necessidade apontada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), de unir esforços dos vários segmentos para o enfrentamento e superação dos obstáculos à educação no País.

20 anos no poder

Desde 1995, o estado é governado pelo PSDB. Começou com Almir Gabriel, que governou de 1995 a 2003, sendo substituído por Jatene (2003-2007). A sequência tucana foi quebrada por Ana Julia Carepa (2007-2011). Desde então, Jatene voltou ao governo e foi reeleito.

A contratação é questionada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará, que ingressou com Ação Civil Pública na 2ª Vara da Fazenda em Belém e entrou com representação no Ministério Público Federal. De acordo com o Sindicato, o empréstimo com o BID se refere a Programa Melhoria da Qualidade e Incremento da Cobertura da Educação Básica no Estado do Pará, que deve investir na melhoria do ensino público.

“O governo veio com essa pérola de comprar vagas em escolas privadas para colocar a educação em outro patamar. São R$ 12 milhões para apenas três meses, beneficiando 700 mil alunos, que é parte da rede. Fomos ao Ministério Público para pedir esclarecimentos sobre essas licitações, que são ilegais e imorais”, diz o secretário-geral do Sintepp Alberto Andrade, o Beto Andrade.

O dirigente questiona ainda a justificativa do governo, de oferecer reforço. “Como pode ser reforço se as aulas começaram em junho e ainda nem houve reposição. Na verdade é preparação dos alunos visando as avaliações, uma tentativa de maquiar a situação precária da educação no estado.”

Ideb abaixo da meta

O estado está abaixo da média brasileira no Ideb 2013 e não atingiu a meta em nenhuma das etapas. Nas séries iniciais do ensino fundamental, ficou com 4,0. A meta era 4,9. E piorou em relação a 2011, quando obteve 4,2. Nas séries finais, alcançou 3,6 quando a meta era de 4,4. Na edição anterior da avaliação, tirou 3,7. No ensino médio, esteve longe de atingir a meta de 3,9. Obteve apenas 2,9.

Na ação, o Sintepp questiona também a contratação de empresa para ensino de inglês para 110 mil alunos das escolas públicas no valor de R$ 198 milhões. Conforme o advogado do Sintepp Walmir Brelaz, o estado estará contratando, de maneira ilegal, uma empresa privada para implantar cursos de inglês na rede pública. “A grade de ensino já conta com a disciplina de inglês e existem professores para ministrar as aulas. A  Constituição Federal diz que, para ingressar no Estado, só através de concurso público, o que não é o caso.”

Em março passado, o governo formalizou entendimento com a Associação Canadense de Escolas Públicas-Internacional (ACP-I) para intercâmbio linguístico e cultural em escolas públicas canadenses na área da língua inglesa beneficiando alunos do ensino médio e professores. Para o sindicato, se há essa iniciativa de capacitação de professores, qual a justificativa para um contrato privado milionário para contratar cursos de inglês para a rede?

Ainda conforme o jurídico da entidade, há indícios de irregularidades no processo de licitação que escolheu a empresa BR7 Editora e Ensino Ltda. Uma concorrente, a Positive Idiomas, quis impedir na Justiça a assinatura do contrato, já que ofereceu proposta inferior à da BR7 em R$ 130 milhões.

Na última quinta-feira, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Pará reuniu dirigentes do Sintepp, representantes do Ministério Público estadual, da OAB/PA, parlamentares e um assessor da Secretaria Estadual de Educação. Convidado, o titular da pasta Helenilson Pontes não compareceu.

A promotora de Justiça de Educação Graça Cunha afirmou que o governo Jatene não se interessou em cumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para o cumprimento dos 200 dias letivos, para a reposição das aulas pelos professores da própria rede e suspensão dos descontos ilegais dos dias parados. Para ela, neste momento, a solução para todos os problemas seria a suspensão dos descontos porque os alunos da rede pública merecem uma educação de qualidade, o que passa pela valorização do professor.

Os participantes da audiência propuseram a criação de uma frente parlamentar em defesa da educação pública, pedido de audiência  com Jatene para discutir um calendário de reforma das escolas, segurança nas escolas, suspensão dos descontos e convocação dos concursados. E será encaminhado ao Tribunal de Justiça do Pará requerimento de reunião com desembargadores.

Organizações sociais nas escolas

No final de julho, o colunista Antônio Gois, do jornal O Globo, informou que Jatene vai testar em sua rede um modelo de administração escolar controversa até mesmo nos Estados Unidos, onde foi criado: as chamadas escolas charter. Públicas, mas administradas pela iniciativa privada, deverão ser construídas 50 unidades de ensino médio. Os gestores privados vão receber conforme os resultados alcançados.

Para a secretária-geral do Sintepp, Sílvia Letícia da Luz, as OS na educação preocupam e devem ser intensamente debatidas. “Os parceiros privados vão construir as escolas que vão administrar. Mas com o tempo devem assumir toda a rede, já que não há concurso para repor os servidores, mantidos de maneira precária”, diz. Como ela destaca, há respaldo legal para essa política. O Plano Nacional de Educação (PNE) a legitima em sua meta 20, que trata do financiamento da educação, ao permitir que, dos 10% do PIB a ser destinados para o setor, podem ser retirados recursos para custear essas parcerias. Além disso, a reforma administrativa de 1998 abriu as portas para as OS. Questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), foram validadas em abril passado.

Colaborou: Tiago Pereira

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