estudantes

Carina Vitral, da UNE: ‘A direita ainda não ganhou a juventude’

Nova presidenta fala sobre reforma universitária, chama Eduardo Cunha de golpista e diz que redução da maioridade penal é retrocesso sem precedente: 'Vale tudo para barrar esse retrocesso'

Vitor Voguel/UNE

Carina Vitral, nova presidenta da UNE, eleita em congresso encerrado no último domingo, em Goiânia

São Paulo – Eleita no último domingo (7) com 58,4% dos votos, a nova presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, defende a expansão e consolidação das universidades públicas, além de ampliação do “controle social” e da transparência para políticas públicas de acesso ao ensino privado, como o Prouni.

Primeira mulher a suceder outra à frente da maior entidade estudantil da América Latina, que tradicionalmente revela nomes para a política nacional, Carina falou à Rede Brasil Atual sobre os desafios para os próximos dois anos, o novo perfil do universitário brasileiro, os impactos do ajuste fiscal na educação e a disputa pelos corações e mentes dos jovens brasileiros, num cenário de ascensão do conservadorismo no Congresso e nas ruas.

Aos 26 anos, estudante de Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a presidenta diz que “a direita ainda não ganhou a juventude” e que é responsabilidade do movimento estudantil, mas também do governo, fazer a disputa pela consciência da juventude.

Confira abaixo a íntegra da entrevista à RBA.

Ouça também na Rádio Brasil Atual

O que representa o fato de suceder outra mulher na presidência da UNE? É um sinal de mudança ou apenas uma bem-vinda exceção?

Com certeza, não é uma coincidência. É uma política clara da UNE de empoderar mulheres entre as suas lideranças. Ao longo de toda a história da UNE, apesar de nos seus 78 anos de existência sempre estar ao lado do povo brasileiro, ainda assim, mesmo em uma das entidades mais populares e progressistas, o machismo ainda é uma realidade, já que nesses 78 anos, apenas seis mulheres presidiram a entidade. É um fato que a gente precisa comemorar e aprofundar.

Na medida em que você tem uma presidenta, criam-se esperanças espelhadas nas lideranças. Nesse último período, milhares de mulheres são presidentas dos centros acadêmicos, dos diretórios centrais, são lideranças de base, fruto também de uma política de empoderamento das mulheres.

A eleição de uma estudante oriunda de uma universidade privada é reflexo também de uma mudança do perfil socioeconômico das instituições de ensino superior, rompendo com o padrão de lideranças saídas das escolas públicas?

Desde a década de 90, as mulheres são maioria na universidade. Mas agora a gente conseguiu aprofundar a mudança e a diversificação da composição social da universidade. Hoje, tem mais negros e negras, estudantes de baixa renda. O movimento estudantil também mudou muito. Havia uma ideia na sociedade de que o movimento estudantil só existia na universidade pública. Hoje, isso não é uma realidade. A maioria dos delegados do congresso da UNE foi de universidades privadas. O movimento estudantil se fortalece nas universidades privadas. É claro que não com as mesmas condições que tem nas públicas. A gente tem uma maior liberdade nas universidades públicas. Nas universidades privadas, a gente tem alguns obstáculos como catracas, coordenadores que proíbem, inibem, ameaçam e suspendem estudantes que se organizam. Isso não é uma coisa fácil, mas o perfil social do movimento estudantil também está mudando.

Como recebeu a confirmação, dada pelo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, ontem (8), da reabertura de novas vagas para o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) no segundo semestre?

É uma conquista grande. A UNE exigiu, na reunião que teve antes do congresso, com a presidenta Dilma e com o ministro da Educação, a abertura de novos contratos para o Fies. Ele ainda não especificou a quantidade de contratos. É uma coisa positiva. O que a gente defende é que tenha mais transparência no Fies.

Na nossa opinião, o mecanismo de seleção para o Fies deveria ser o Enem. Tal qual é o Prouni, o Enem selecionar previamente e o MEC ter uma maior transparência sobre as vagas disponíveis para o financiamento. O Fies, hoje, é o único programa educacional em que os empresários detêm o controle, seja de vagas, seja na documentação, no critério de renda. Existe pouco controle social. O estado precisava ser mais rígido com relação a isso.

A gente teve um período muito conturbado de mudanças no Fies, nesse primeiro semestre, mas que, no mérito, a UNE concorda que precisava existir uma maior fiscalização sobre o aumento de mensalidades, porque as universidades cometiam grandes abusos. Aumentavam a mensalidade em 20% acima da inflação. A gente que conhece a realidade da universidade privada sabe que não existe ampliação de qualidade. Acima da inflação, é injustificável.

Como enxerga a suposta dicotomia entre a ampliação do acesso ao ensino superior e os baixos níveis de qualidade?

A ampliação não tem contradição com a qualidade. O que tem contradição com a qualidade é o lucro. As universidades federais provaram que dá para ampliar, mantendo a qualidade. O problema, na universidade privada, é que para maximizar os lucros, os empresários da educação fazem tudo. O Fies veio suprir o financiamento para vagas que já existiam. Então, não dá para dizer que a qualidade diminuiu por causa da expansão. O Fies, por exemplo, de 2013 para cá, aumentou em quase 1 milhão as vagas, sem que houvesse expansão. Apenas gente que já estava na universidade passou a ter acesso ao programa, na mesma qualidade.

A medida que a UNE defende para a qualidade do ensino superior é uma maior regulamentação do ensino privado.  Hoje, não existem regras claras para o funcionamento da educação superior, um mínimo de qualidade que a educação superior deve ter. Não existe uma lei que regulamente isso.

Está tramitando, no Congresso Nacional, a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior, uma autarquia que o MEC propõe para fiscalizar, punir e supervisionar a educação superior na ponta. Isso, pra gente, caminha no sentido de uma maior regulamentação, e tem o apoio da União Nacional dos Estudantes.

A reforma universitária que a gente defende leva em conta uma atualização que a UNE fez da nova realidade da universidade. A universidade, hoje, é diferente da universidade da década de 90. Através das cotas, do Enem, da interiorização da universidade, é uma outra universidade.

Quais são os principais pontos da reforma universitária defendida pela UNE para o próximo biênio?

A reforma universitária, para o período atual, leva em conta a concretização da expansão que a gente viveu, através da conclusão das obras de novos campi, através de uma política de maior assistência estudantil, que hoje ganha relevo por causa da nova composição social da universidade, e também a concretização do tripé da universidade nesses novos campi, como a extensão e a pesquisa, além do ensino.

Muitos dos campi não têm programas de pós-graduação. É um ciclo de conclusão e estruturação muito forte que a gente precisa viver, no próximo período. A expansão não está resolvida. o problema do acesso não está resolvido. Por isso que a gente defende que a universidade pública continue sendo ampliada, principalmente para que a gente consiga avançar na proporção do ensino público com relação ao ensino privado.

Se é verdade que a educação privada ampliou, a universidade pública também ampliou. E esta proporção ainda não mudou, desde o período neoliberal que viveu o Brasil. Essa disputa pelo público é uma disputa que a UNE vai comprar no próximo período.

Por outro lado, na educação privada, é a luta pela regulamentação, que hoje tem bandeiras bastante simbólicas. Uma pauta que está pegando fogo nas universidades privadas é o fim das disciplinas online obrigatórias. A partir de uma portaria do MEC que permite que 20% das disciplinas sejam a distância, nos cursos presenciais, as universidades têm se utilizado desse dispositivo para obrigar os estudantes a fazer disciplinas a distância nos cursos presenciais.

Na nossa visão, isso tem de ser uma opção do estudante. A UNE não tem nenhum preconceito com a modalidade de ensino a distância, mas, na nossa opinião, para se ter qualidade, é preciso mais investimentos, porque a tecnologia é uma coisa cara. O problema é que, nas universidades privadas, o ensino a distância nos cursos presenciais vem como uma medida para reduzir os custos e isso necessariamente resulta em uma redução da qualidade, numa precarização muito grande, contra o que os estudantes têm se revoltado. Essa é, hoje, uma das maiores bandeiras de luta nas universidades privadas.

Quais os impactos do ajuste fiscal na educação e a sua opinião, como estudante de economia, sobre as medidas adotadas até o momento?

A opinião da UNE com relação ao ajuste é que, hoje, o desafio da saída da crise econômica é a retomada do crescimento. A gente não acha que reduzir o papel do Estado possa contribuir para ampliar o investimento privado, no Brasil, e a gente retomar o crescimento e o emprego, principalmente na indústria.

O corte na educação é ainda mais desastroso, porque boicota, inclusive, esse crescimento que a gente precisa ter no médio prazo. Segundo dados do Ministério, o corte é mais concentrado no Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e no Ciência Sem Fronteiras, havendo um corte menor nas atividades-fim das universidades e no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). O grande problema é que a atual situação da universidade faz com que a gente tenha que investir mais na educação, e não menos. O corte, na verdade, mantém o investimento atual, quando a gente precisava ampliar o patamar do investimento.

Por isso, está sendo muito difícil a situação na universidade. Restaurantes universitários estão sendo fechados, por falta de condição das reitorias em pagar as empresas terceirizadas, e os terceirizados têm parado as suas atividades – bandejão, moradia, segurança, limpeza, atividades essenciais nas universidades. Justamente para os estudantes em condições mais frágeis. Penaliza os estudantes trabalhadores, que dependem dessas atividades para se manter na universidade.

Como se sente como uma jovem liderança de esquerda, em um momento em que a direita está “na moda”?

O desafio para a UNE, no próximo período, é disputar a consciência da juventude. A crise econômica unificou a direita que, há muito tempo, no Brasil, estava fragmentada. A direita, os conservadores, a mídia hegemônica. O desafio, agora, é unificar o lado de cá. A esquerda, historicamente, também é bastante fragmentada. Construir lutas unitárias é bastante importante.

Acho que a UNE é um grande instrumento para construir lutas unitárias, porque ela congrega, é uma das únicas entidades do movimento social, uma pluralidade muito grande de pensamentos no interior da entidade. O congresso da UNE mostrou isso.

Essa diversidade, essa unidade, é um instrumento muito forte para disputar a consciência da juventude. Na verdade, se as ideias conservadoras têm ganhado a sociedade, isso existe em menor grau entre a juventude. A manifestação do dia 15, por exemplo, você não pode dizer que foram jovens.

A direita ainda não ganhou a juventude. Isso é uma coisa que a gente precisa dizer. A juventude que ascendeu à universidade, que ascendeu aos seus primeiros direitos, eu chamaria de contraditória, não chamaria de direita.

Como surge esse personagem, o “jovem contraditório”– o indivíduo que é prounista, mas contra as cotas, ou ainda o estudante que usufrui do Fies, mas é a favor da redução da maioridade penal  – e como a UNE pretende atuar nessa disputa por corações e mentes?

A raiz disso é a falta de debate político, que a gente não fez nesses últimos 12 anos. A gente concebeu vitórias econômicas e de direitos sociais para o povo, mas pouco se falou sobre elas. E quando a gente não disputa, não diz que o estudante entrou na faculdade através do Prouni, e que isso é fruto de uma vitória coletiva, em vez só de vitórias individuais.

De fato, a gente que é jovem luta muito para conseguir estudar. A gente supera barreiras muito fortes. Os estudantes são muito guerreiros, porque trabalham o dia inteiro, pegam em média três horas de ônibus e transportes coletivos, nas grandes cidades. Existe uma dose de vitória pessoal muito forte que a gente precisa valorizar.

Mas essa ascensão também é uma vitória coletiva e acho que a gente falou pouco sobre isso, durante os 12 últimos anos. Então, é natural que a nossa geração ache que melhorou de vida por esforço próprio. O capitalismo prega isso, o individualismo. É preciso transformar essas vitórias em vitórias coletivas, propagandeando isso, por parte do movimento social, mas também por parte do governo.

Sobre as grandes questões políticas do momento, como pretende mover a entidade no debate relativo à reforma política e à proposta de redução da maioridade penal? Essa última é a questão que mais preocupa?

Esses dois temas serão centrais para o movimento estudantil, num período muito curto. A primeira, a reforma política, é fruto de uma mobilização social muito grande e uma pressão política, em especial da juventude, que hoje não se vê mais representada nas instituições, tais quais elas estão. São sub-representadas no Congresso Nacional. Como a diversidade do povo é sub-representada nesses espaços existe uma crise grande de representatividade que forçou a sociedade a discutir uma reforma política.

A gente foi pego de surpresa por essa correlação de forças do Congresso Nacional, muito conservador, eleito exatamente sobre os marcos desse sistema político, que é a prova de tudo que a gente fala, de que as coisas estão piorando no nosso sistema político.

A gente tomou um golpe do Eduardo Cunha (presidente da Câmara), que colocou uma pauta que já havia sido derrotada, o financiamento privado dos partidos políticos. Isso foi uma manobra muito grande, que faz com que os movimentos sociais se unam para recorrer ao STF, seguir a votação em segundo turno, no plenário, e acender essa luta, ainda mais forte e unitária.

A redução da maioridade penal é uma pauta muito simbólica. Vai ser uma prioridade. É um retrocesso sem precedentes. É uma pauta que a gente derrotou na década de 90. A PEC 171, da redução da maioridade penal, é da década de 90, que eles tiraram do mofo e do pó para impor um retrocesso para a juventude, em tempos onde se discute o genocídio da juventude negra, num período em que a parcela de jovens dentro da sociedade é maior nos últimos anos. É uma derrota simbólica que a gente não pode viver. Vale tudo para barrar esse retrocesso.

Leia também

Últimas notícias