prova moderna

Professores elogiam abordagem de temas sociais no Enem

Os 50 anos do golpe militar, Constituição de 1988, isonomia perante a lei e a ação humana dobre o meio ambiente deram o tom do prova. Críticos classificaram como 'verborragia comunista'

Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Públicas

Para especialistas, temas sociais no currículo e nas avaliações do ensino médio vieram para ficar

São Paulo – Professores de cursos pré-vestibulares e especialistas em ensino médio elogiaram a abordagem de temas sociais no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado por pelo menos 9 milhões de pessoas em todo país no último sábado (8) e domingo (9). Questões relacionadas aos 50 anos do golpe militar, igualdade perante a lei, identidades culturais, a Constituição de 1988 e a ação humana sobre o meio ambiente ganharam destaque.

Essa característica fez com que algumas questões causassem polêmica nas redes sociais por serem consideradas alinhadas a uma visão política de esquerda. O escritor Alexandre Borges chegou a classificar uma pergunta que trazia um trecho adaptado da entrevista do filósofo Marcos Nobre ao site da Unicamp de “verborragia militante comunista” em seu perfil no Facebook. “A inclusão da questão no ENEM é um absurdo inaceitável e prova inequívoca do aparelhamento do sistema educacional do país, propositadamente incapaz de ensinar pela opção cada vez mais explícita de doutrinar”, disse.

“A prova trazia uma charge sobre progresso, questionando para quem essa ideia é positiva. Uma das perguntas convida a uma reflexão sobre isonomia na antiguidade grega, que é totalmente pertinente 2 mil anos depois em um país onde um juiz acha que pode dirigir sem carteira de motorista”, avalia o professor de História Carlos Alberto Jacomuci, conhecido pelos alunos como Cacá, que dá aula para o ensino médio e para um curso pré-vestibular. “Foi uma prova muito moderna, antenada com o Brasil e com o mundo. Na minha opinião tinha uma cara política muito clara: era vermelha. Por isso avalio que os alunos que tiveram professores mais conservadores de História e Geografia possam ter tido mais dificuldade de fazer a prova de humanas.”

O especialista em ensino médio, Carlos Brandão, discorda. “O ensino médio não se limita a transmitir conteúdos historicamente acumulados. A maioria dos educadores não pensa mais assim. Ele tem de estar antenado com questões contemporâneas, e direitos sociais são predominante na vida desses jovens.”

Para o autor de material didático de geografia, Edilson Adão, a prova estava “plugada na contemporaneidade, à forte temática social e, como era de se esperar (e para tristeza dos direitosos), não deixou por menos a crítica ao regime militar que esse ano completa 50 anos de golpe”, avaliou em seu perfil no Facebook. “Geografia voltou a preponderar, como fora desde as primeiras provas do exame, mas nas duas últimas edições tinha ficado à margem. Filosofia definitivamente veio para ficar na estrutura curricular do ensino médio.”

No entanto, ele adverte que é necessário ter cuidado. “O Enem não pode entrar no Fla x Flu que está o PSDB x PT. Eu acompanho e corrijo o exame desde sua criação, na gestão do ministro tucano Paulo Renato (morto em junho de 2011). A prova sempre foi muito boa. É verdade que ela tinha um tom mais ambiental que social, mas nunca foi uma prova conservadora”, disse. “Toda a normatização da educação brasileira tem um tom progressista. Como se negar a uma abordagem da temática social em um dos países mais desiguais do mundo?”

Adão elogiou particularmente a questão 41, que atribuiu à indústria automobilística o caos da mobilidade urbana. “A Filosofia apareceu intensamente, com uma forte crítica social, como na questão do consumismo, também lembrado pelo tema da redação. Na prova de História foi lembrado que as elites usaram de violência no passado para assegurar o poder e não dividi-lo com o povo, os 50 anos do golpe de 1964 não passaram em branco e a sustentação ideológica da desigualdade foi lembrada”, avaliou.

“Aqueles que são contra o assunto querem o quê? Que isso não seja debatido na escola? Sinto muito, mas estão na contramão da lógica pedagógica: os livros didáticos, o mundo acadêmico e professores bem formados não terão como não enfrentar de frente esse assunto, apesar de setores da mídia pressionarem no sentido contrário”, concluiu.