Diversidade

Escolas de educação infantil das aldeias indígenas de São Paulo completam dez anos

Fundadas na gestão Marta, instituições devem fortalecer cultura guarani das três comunidades da cidade, mesclando preservação de conhecimentos tradicionais e disciplinas contemporâneas

A alimentação oferecida no centro inclui alimentos tradicionalmente indígenas, como mandioca e feijão preto <span>(Jailton Garcia)</span>No centro, as crianças participam de oficinas lúdicas de produção de cachimbo com argila e bambu <span></span>A argila também é usada para a construção de brinquedos indígenas <span></span>Desenhos, música e atividades escritas promovem intercâmbio diário e constante entre a cultura branca e a guarani <span></span>Quando os filhos ainda são muito novos, as mães podem participar das atividades e das refeições servidas pelo centro <span></span>O centro recebe alunos das 8 horas às 13 horas da tarde. Neste período, as crianças têm direito a quatro refeições, o que garantiu segurança alimentar à aldeia <span></span>As crianças da aldeia Krukutu também têm aula de informática e português na escola <span></span>A educadora Janiha Gabriel conta que as crianças também fazem trilhas, montam armadilhas, pescam e utilizam a casa de reza para cantar e dançar <span></span>Para o educador Leandro da Silva, a atuação do Ceci é uma importante forma de se ensinar aos mais novos a cultura indígena dos antepassados <span></span>"O índio que não conhece sua cultura acaba sendo excluído, porque não tem o estudo do branco", explica Olívio Jekupe <span></span>Sônia Jexuka tem dois filhos que participam das atividades da escola. Ela conta que, quando está muito ocupada, os educadores buscam e levam suas crianças em casa <span></span>

São Paulo – “Aqui as crianças são da aldeia, não da escola e muito menos de nós, juruá (brancos). É um outro tempo: o tempo dos guarani mbya.” Essa foi a primeira instrução repassada para a RBA antes de entrarmos no Centro de Educação e Cultura Indígena da aldeia Krututu, a cerca de uma hora de Parelheiros, na zona sul de São Paulo. A escola é uma das três instituições de educação infantil indígena da cidade, que completam dez anos hoje (30), com a proposta de reafirmar e fortalecer a cultura dos índios de São Paulo.

Dentro da escola, uma das três únicas construções de alvenaria da aldeia, um grupo de 15 crianças saía da sala de informática, onde navegavam na internet. Durante a próxima hora, os alunos aprenderiam a confeccionar cachimbos tradicionais guaranis com argila e bambu, em um intercâmbio diário e constante entre a cultura branca e a guarani. Presente na escrita, na música e nos desenhos espalhados por toda a sala, o sincretismo faz parte da história das crianças: além dos nomes guaranis, que marcam sua identidade, todas têm também nomes brasileiros.

“O fumo nos aproxima da espiritualidade e a fumaça é muito importante”, explica o presidente da associação guarani Nhe’E Porã, Olívio Jekupe. Pelo significado e pela importância cultural, os dois educadores, também indígenas e membros da comunidade, tragavam fumo de corda durante as aulas, dentro e fora das salas.

As atividades do centro não se restringem só ao espaço físico da escola. As crianças aprendem a pescar na represa Billings, que cerca a comunidade, constroem uma horta comunitária e também visitam a aldeia vizinha, Tenonde Porã. “Durante as aulas nós fazemos trilhas, montamos armadilhas, pescamos e vamos até a casa de reza cantar e dançar. Também usamos a internet, assistimos desenhos animados e ensinamos palavras em português”, conta a educadora Janiha Gabriel.

A língua materna dos alunos é o guarani, mas nas aulas eles aprendem também a ler e a escrever em português. “É importante ensinar para eles o que fazemos e o que nossos avós faziam, para preservar nossa cultura”, explica o também educador Leandro da Silva.

“Tem aldeias indígenas no Brasil que não têm mais conhecimento da própria cultura. Aí eles vão viver como os brancos, mas como não têm o estudo do branco acabam sendo excluídos, sem acesso a um mundo intelectual. Então, as crianças têm que aprender nossa cultura, por meio inclusive da nossa tradição oral, mas também têm que aprender a escrever bem em português e a usar tecnologia”, avalia Jekupe. Seus dois filhos mais novos, Jeguaga Mirim (14) e Tupã Mirim (13), estudaram na escola e hoje são os dois indígenas mais jovens do país a publicarem livros sobre a cultura Guarani.

As três aldeias indígenas de São Paulo possuem um Centro de Educação e Cultura Indígena, que atendem crianças de até 6 anos. O restante da escolarização é feito em escolas do estado, também instaladas nas comunidades. Na aldeia do Jaraguá, na zona norte, são 113 alunos e dez professores. Na aldeia Tenonde Porã, na zona sul, são 134 crianças e 11 professores. E na Krukutu, 44 estudantes e sete educadores.

Emprego e segurança alimentar

Ainda hoje, São Paulo é a única cidade do país que tem escolas indígenas de educação infantil. Os três centros paulistanos foram criados em 2004, na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT). As conversas, no entanto, começaram em 2002, quando lideranças indígenas guarani da cidade procuraram a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo com a proposta de construir centros de cultura indígena, visando a reafirmar e fortalecer sua cultura e autonomia.

“Era uma ideia antiga, mas foi quando a Marta foi eleita que conseguimos ter mais acesso à prefeitura”, conta Jekupe. “Quando nós mostramos o projeto para a equipe da Secretaria Municipal de Educação, liderada por uma técnica chamada Maria Neide Teixeira, eles disseram que podiam fazer mais e nos propuseram os centros de educação indígena.”

As escolas foram inauguradas em 2004, com uma proposta política pedagógica que foi elaborada com o acompanhamento de pessoas mais velhas das aldeias e líderes espirituais, que também assumiram o papel de primeiros professores.

“A educação infantil oferecida nas aldeias é diferente das outras escolas da nossa rede porque tem o objetivo de reafirmar e fortalecer a identidade étnica do povo guarani e estimular o uso da língua materna”, explica a assistente técnica da Secretaria Municipal de Educação, Ivone Mosolino. “Todos os funcionários e professores são indígenas, da própria comunidade. A nossa formação juruá eles ainda não possuem. Estamos avaliando oferecê-la, mas com viés intercultural.”

O papel da escola na comunidade, entretanto, vai além da educação escolar e étnica: ela foi decisiva para a geração de renda na aldeia. Isso porque os indígenas de São Paulo vivem em áreas muito reduzidas para os padrões guarani, o que dificulta a sobrevivência pelos meios considerados tradicionais, como a caça, a pesca e a agricultura. O artesanato é a principal atividade econômica, além do trabalho nas escolas e na Unidade Básica de Saúde. A maioria dos indígenas de São Paulo são beneficiários do Bolsa Família.

Além disso, os centros de educação infantil foram decisivos na segurança alimentar das crianças mais novas da comunidade. Eles oferecem quatro refeições por dia, estendidas inclusive para as mães dos bebês e para os irmãos mais velhos. “Antes tinha crianças aqui que ficavam o dia todo sem comer. Agora a escola garante as refeições”, conta Jekupe.

O cardápio também respeita os hábitos indígenas, incluindo por exemplo feijão preto e mandioca, alimentos tradicionais guarani, que são comprados pela prefeitura quase que exclusivamente para as escolas indígenas. “Meus filhos fazem todas as refeições do dia na escola. Quando não consigo trazer o menor os professores vão lá buscar para que ele coma”, conta a mãe Sônia Floriano Jaxuka, que tem um filho de cinco e outro de um ano na escola. “Eles aprendem muito da nossa cultura. Tem sido muito bom para eles.”

“Há uma incompreensão muito grande do que é ser indígena. As pessoas acham que temos que ficar confinados aqui, sem roupa e sem acesso à tecnologia. Mas não! Nós estamos nessa sociedade, somos cidadãos e queremos usufruir de toda tecnologia para lutar pela nossa cultura”, afirma Jekupe. “Aqui em São Paulo somos só 300 cercados por quase 20 milhões de brancos. Somos muito fortes, não?”

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