Retrocesso

Por falta de verba, ensino técnico de São Paulo perde professores e qualidade

Problemas na carreira e na estrutura provocaram greve que já dura nove dias no Centro Paula Souza. Orçamento total da instituição, que mantém 322 unidades de ensino, é três vezes menor que o da USP

Professores, alunos e funcionários de 15 cidade paulistas realizaram uma passeata exigindo plano de carreira e mais investimento <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Greve iniciada há nove dias é a maior da história do Centro Paula Souza, alcançando 115 das 322 instituições de ensino <span></span>'Não temos carreira atrativa e não conseguimos atrair os melhores profissionais', lamenta professor  <span></span>Ao todo, 115 das 322 instituições de ensino espalhadas pelo estado estão com as atividades paralisadas <span></span>Centro Paula Souza informou que o plano de carreira deve ser encaminhado para a Assembleia Legislativa na sexta-feira <span></span>Um professor do ensino técnico em estágio inicial nas Etecs ganha R$ 14,85 por aula <span></span>Professores não conseguiram ter acesso ao plano de carreira, porém receberam informações preliminares que haveriam retrocessos <span></span>Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza irá propor emendas ao plano de carreira <span></span>'A folha de pagamento cresce muito, mas não porque houve valorização e sim devido a mais contratações' <span></span>

São Paulo – Com orçamento insuficiente, as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) e as Faculdades de Tecnologia do Estado (Fatecs) não conseguem manter professores e funcionários e nem expandir cursos com a qualidade necessária, segundo avaliação da presidenta do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza, Silvia Helena de Lima. A autarquia é responsável pela gestão das unidades de ensino profissionalizante.

Os problemas de infraestrutura e a falta de um plano de carreira que garanta aumentos reais de salários e benefícios trabalhistas – como plano de saúde e licença maternidade de 180 dias – fizeram com que professores, funcionários e alunos iniciassem uma greve há nove dias, que já é a maior da história do Centro Paula Souza. Ao todo, 115 das 322 instituições de ensino espalhadas pelo estado estão com as atividades paralisadas.

Seguindo a agenda da greve, pelo menos 600 manifestantes realizaram na tarde de hoje (25) uma passeata na Avenida Paulista exigindo o encaminhamento para Assembleia Legislativa do plano de carreira, em tramitação desde 2011, e mais investimentos na rede. O ato reuniu professores, funcionários e estudantes de instituições de pelo menos 15 cidades paulistas, entre elas São Vicente, Praia Grande, Santos, São Bernardo do Campo, Santo André, Jaú, Ourinhos, Sorocaba, Piracicaba, Botucatu e São Paulo.

Segundo levantamento feito pela RBA, a rede de Etecs e Fatecs aumentou em 14 unidades nos últimos quatro anos, período correspondente à gestão do governador Geraldo Alckmin, sendo 11 novas Etecs e três novas Fatecs. Apesar disso, o montante para investimentos na expansão da rede não seguiu o mesmo caminho: o valor orçado para obras e compra de materiais nas Etecs diminuiu 16,9% entre 2011 e 2014. Nas Fatecs, a queda foi de 5,9%, segundo dados do Sistemas de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo).

Neste período, o montante total orçado para o Centro Paula Souza aumentou 47,5%, passando de R$ 1.250.534.184 para R$ 1.843.598.055. O total que de fato foi aplicado nas Etecs e Fatecs superou o que tinha sido inicialmente previsto em 6,6%. A maior variação foi nas despesas orçadas para pagamento de pessoal, que nos últimos quatro anos aumentou 67,3%.

“O orçamento aumentou e tinha que aumentar, porque saímos de 99 unidades e fomos para mais de 300. Porém, a verba não aumenta na proporção necessária para manutenção, compra de equipamento e principalmente para pagamento de pessoal. A folha cresce muito, não porque houve valorização dos salários, mas sim porque houve contratação de mais gente, porque a rede cresceu”, avalia Silvia.

Apesar do aumento, o orçamento de todo o Centro Paula Souza previsto para 2014 é quase três vezes menor que o destinado para a Universidade de São Paulo (USP), e quase metade do da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Júlio de Mesquita (Unesp). “Os cursos que estão sendo abertos são na área de gestão, que não requerem equipamento. Os cursos na área industrial, por exemplo, raramente são abertos porque demandam atualização constante de equipamentos.”

O professor do curso de Biocombustíveis da Fatec Piracicaba, Alexei Barban, confirma os problemas na instituição. “Faltam equipamentos específicos para as aulas e contamos com apenas um funcionário administrativo. Os salários são muito defasados”, disse, durante o ato. “Não temos um plano de carreira que seja atrativo para os professores e assim não conseguimos atrair os melhores profissionais. Além disso, temos um problema de defasagem dos equipamentos”, criticou o professor Arlindo Teodoro, que leciona Mecânica na Etec Rubens de Faria e Souza, em Sorocaba.

“Nós somos uma escola tecnológica que não tem internet livre e nem bandejão”, criticou Nicholas Campo, estudante de Análise de Desenvolvimento de Sistemas da Fatec da Zona Sul, na capital paulista, durante o ato. “Estamos aqui apoiando os professores, porque se eles têm salários baixos na nossa unidade, considerada uma das melhores escolas públicas do país, que dirá nas demais”, afirmou o aluno do ensino médio da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp), Guilherme Cortês.

Para Silvia, presidenta do sindicato, o principal desafio é manter o quadro de docentes e funcionários com a baixa remuneração. “O governo fez uma expansão muito grande, mas não atualizou os salários. Como o mercado está aquecido e como os nossos profissionais da área técnica na maioria das vezes estão também no mercado não conseguimos segurá-los. Não tem comparação o salário de um professor com o de um engenheiro ou de um arquiteto, por exemplo”, diz. Um professor do ensino técnico em estágio inicial nas Etecs ganha R$ 14,85 por aula.

“Tudo isso faz cair a qualidade”, continua. “O centro Paula Souza já foi considerado a maior e melhor instituição de formação profissional e tecnológica da América Latina, mas não podemos dizer que mantemos isso. A gente certamente perde para o Senai e para a rede federal. Ela se expandiu muito no estado de São Paulo e tem condições de trabalho e salários melhores. Então estamos perdendo inclusive estudantes para a rede federal.”

Na sexta-feira (21), profissionais e alunos das Etecs e Fatecs da capital paulista realizaram um ato em frente à sede do Centro Paula Souza. Uma comissão foi recebida pela superintendência da entidade, mas não conseguiu ter acesso ao plano de carreira, porém receberam informações preliminares que haveria retrocessos no documento, elaborado por uma consultoria privada.

O Centro Paula Souza informou, por meio da assessoria de imprensa, que o plano está em “fase final” e deverá ser encaminhado para a Assembleia Legislativa na próxima sexta-feira (28). “Na semana passada, a Superintendência do Centro Paula Souza reuniu-se com grupos de diretores de Etecs e Fatecs para prestar esclarecimentos sobre o plano, reforçando a transparência que vem mantendo ao longo de todo o processo”, diz a nota. A instituição não se pronunciou sobre a defasagem salarial e sobre a falta de investimento na estrutura das unidades.

“O plano de carreira que será enviado para a Assembleia Legislativa certamente não será aquele que os professores e funcionários esperam. Vamos exigir que ele tramite com urgência e vamos definir com o sindicato quais as emendas necessárias ao projeto”, diz o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSol), que participou do ato. “O orçamento para o Centro Paula Souza é baixo. Todo começo de ano brigamos por mais recursos para garantir qualidade na instituição.”

Leia também

Últimas notícias