Uso do Enem como vestibular exige nova medida para avaliar qualidade do ensino

Prova tem sido cada vez mais usada para selecionar candidatos ao ensino superior, e não produz dados para análises do ensino médio

No novo modelo do Enem, MEC elaborou exame baseado em conhecimentos críticos (Foto: Tarso Sarraf/Folhapress)

São Paulo – A adaptação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para se tornar uma prova de seleção para universidades deixou esta etapa do ensino sem uma avaliação eficaz de sua qualidade. A solução seria reajustar o teste para que ele também produza dados avaliativos, ou aprimorar a Prova Brasil, criada para analisar as competências do ensino médio.

Até 2009 a principal função do Enem era fazer uma avaliação da qualidade desta etapa. A partir daí, a nota no exame passou a ser critério de seleção em programas de democratização do ensino superior, como Programa Universidade para Todos (ProUni), que está em fase de inscrições, e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que terá as matrículas na primeira fase realizadas entre os dias 18 e 22.

“O Enem precisa assumir aquilo que cada vez mais ele é: um exame vestibular, construído de forma mais planejada que os tradicionais e uma porta de entrada para o ensino superior”, afirma o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. “Em termos de avaliação do ensino, que é outro lado, ele tem cada vez mais perdido sentido.”

Para ele, o exame deve ser apenas uma forma de seleção para o ensino superior e a análise da qualidade do ensino médio deve ser feita pela Prova Brasil. “Agora, ela precisa ser aperfeiçoada, porque o conjunto de disciplinas avaliadas pelo Enem são mais interessantes que a Prova Brasil, que só avalia português e matemática. Seria necessário incluir nela ciências humanas e ciências da natureza”.

O coordenador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação, Tufi Machado, discorda. Pelo custo da prova e pelo desgaste dos estudantes ele acredita que o Enem deveria selecionar candidatos para o ensino superior, avaliar o ensino médio e ainda certificar os estudantes. 

“Ter um teste diagnóstico, um teste de seleção e outro de formação são três a serem feitos. Cria um problema de custo que tem implicações tanto para o governo, quanto para as pessoas que vão fazer o teste”, afirma. “Outra questão é que os garotos vão ter que fazer dois ou vários testes no final do ensino médio e isso é desgastante. Os alunos estão muito motivados para fazer um teste de seleção e certificação, mas certamente não estão tanto para fazer um teste diagnóstico.”

Ele considera que a prova precisa se sofisticar para dar conta das três avaliações, de forma que fique claro se o aluno alcançou a nota mínima para certificação ou para entrada na universidade. “A avaliação diagnóstica precisa ter itens que cubram pelo menos as principais habilidades que são requeridas no ensino médio. Já a de seleção precisa ter um teste bom, que seja capaz de ranquear os candidatos.” 

Dois momentos

Quando a prova deixou de ser somente uma avaliação e se tornou uma espécie de vestibular nacional, a estrutura das questões e o conteúdo avaliado também mudaram. “Corretamente o MEC pensou que o exame teria de ser mais próximo da lógica do raciocínio, baseado não nos conhecimentos mais estáticos, mas nos mais críticos e elaborados. A prova exige que você pense sobre a matéria e não decore os conteúdos”, avalia Cara.

A estudante Mariana Ramos, que ingressou no curso de medicina na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, com o Enem, concorda com as mudanças. “O nível da prova em si não achei que modificou. As questões eram bem objetivas e bem de interpretação de texto. Acho a prova acessível”, afirma. “Às vezes rola um preconceito de leve com a gente aqui. Tem gente que fala que viemos de São Paulo para cá roubar as vagas do pessoal daqui”.

Já a estudante de jornalismo Barbara Bigarelli acredita que foi prejudicada pelas mudanças do Enem quando fez a prova, na edição de 2010. Naquele ano o exame sofreu uma mudança de estrutura, com o aumento do número de questões e o desmembramento da prova em dois dias. “O processo foi muito desorganizado, ninguém sabia como ia ser a prova e quantas questões ia ter. Primeiro era um dia, depois virou dois, nem os professores do cursinho estavam preparados para isso.”

Para melhorar

Se o Enem tem caminhado cada vez mais para se tornar um grande vestibular, é necessário que ele seja aprimorado, de acordo com Daniel Cara. “Em termos pedagógicos, de selecionar alunos preparados para pensar no ensino superior, acho que o Enem está mais avançado que um vestibular tradicional, mas ainda tem alguns problemas de execução.”

“A gente não tem ainda uma tradição de profissionais que são formados para serem bons aplicadores de prova. Temos também um baixo controle social e uma grande dificuldade para as pessoas com deficiência, que terá de ser aperfeiçoada. Então temos ainda desafios de gestão para o exame.”