Após escolha de reitor, estudantes e funcionários da PUC-SP entram em greve

Segundo representante dos estudantes, cardeal nomeou reitora 'próxima à Igreja Católica', rompendo tradição de escolher o mais votado

Estudantes querem que cardeal reveja sua decisão (Foto:Lorraine Baker)

 

São Paulo – Estudantes e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entraram em greve hoje (14). Eles se manifestam contra a decisão do cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, grão-chanceler da instituição e presidente do Conselho Superior da Fundação São Paulo, de nomear como reitora a professora Anna Maria Marques Cintra, que leciona na Pós-Graduação em Língua Portuguesa da universidade. O período é de quatro anos.

De acordo com o regimento da PUC-SP, o arcebispo metropolitano designa quem regerá a universidade a partir de uma lista dos três candidatos mais votados pelos alunos, funcionários e docentes. Tradicionalmente, o presidente da Fundação São Paulo, ligada à Arquidiocese, escolhe o primeiro colocado, mas desta vez ele decidiu pela terceira colocada, Anna. Para os alunos, trata-se de uma postura ditatorial. Ontem (13) à noite, quando Scherer a nomeou, eles amontoaram carteiras em um dos pátios da instituição, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, e chegaram a ocupar a reitoria até a manhã de hoje.

A decisão dos alunos pela greve foi tomada ontem em assembleia realizada logo após o decisão do cardeal, com cerca de mil pessoas, entre integrantes dos centros acadêmicos (CAs) das faculdades, a Associação dos Professores e Associação dos Funcionários Administrativos. Logo em seguida, estudantes ocuparam a reitoria. Hoje pela manhã, eles deixaram o local e fizeram uma marcha até a sede da Fundação São Paulo. Os funcionários aderiram hoje à greve, em assembleia no início da tarde, e os professores reúnem-se nesta noite para decidir se também vão aderir.

O presidente do CA 22 de Agosto, da Faculdade de Direito, André Páscoa, afirmou que a greve vai durar até o cardeal recuar em sua decisão e nomear o professor da Faculdade de Direito Dirceu de Mello, atual reitor. Ele teve o maior número de votos, com 8.382,97. O segundo colocado foi o professor da Faculdade de Economia Francisco Serralvo, cuja chapa acumulou 6.785,59, e por último, Ana, com 6.641,61. A numeração considera um sistema de votos ponderados, para que cada um tenha o mesmo peso. Segundo a PUC, votaram 7.313 estudantes, 1.284 docentes e 1.189 funcionários. Sem ponderação, Dirceu venceu entre os funcionários (519 votos), Serralvo entre os alunos (2.878) e Anna, entre os professores (501, ante 457 dados a Dirceu e 320 a Serralvo).

Segundo Páscoa, o movimento estudantil não defende a gestão de Dirceu, que segundo ele, não foi satisfatória. “Nunca um reitor da PUC foi eleito sem ter a maioria dos votos. O que estamos defendendo é a tradição democrática da PUC-SP, sua história, que não pode ser jogada fora”, argumentou.

Páscoa afirmou que a nomeação de Anna representa um desejo da Igreja de assumir novamente as direções de suas universidades pontifícias. “A Fundação São Paulo é simbólica. É por meio dela que a igreja interfere na universidade. A decisão do cardeal foi a da Cúria Metropolitana [da Arquidiocese de São Paulo]. Eles nomearam Anna Cintra, pois ela é próxima à Igreja Católica. Ela já falou que está de acordo com o desejo do Vaticano de retomar as rédeas do ensino das universidades”, contou ele. De acordo com Páscoa, Dirceu não fez uma gestão, nos últimos quatro anos, próxima à igreja tampouco contrária a esta.

“O que tememos é um reitor que abrace esse projeto de retomar as ideais da igreja no ensino. Se ela, de fato, for a reitora, aí é muito preocupante. Poderemos ter professores que se demitirão em massa”, comentou. Páscoa lembrou o conflito travado entre a igreja católica e a PUC no Peru, cuja gestão e filosofia distanciou-se do projeto religioso. Atualmente, o Vaticano está em batalha judicial para retirar o título de “pontifícia” da instituição e pela posse dos bens da universidade. “Não queremos que isso aconteça na PUC-SP”, afirmou.

Assinatura de professora Anna Cintra (Foto:PUC-SP)

Em agosto, todos os candidatos à reitoria da universidade assinaram um termo com os estudantes e as associações de professores e funcionários em que se comprometiam a não assumir o cargo, caso não fossem eleitos pela maioria. Anna Cintra, contudo, aceitou a nomeação. Procurada, não quis se manifestar.

O arcebispo também foi procurado. Segundo sua assessoria, o ato de nomeação já é uma manifestação suficiente e a decisão de escolha do reitor cabe exclusivamente ao cardeal. A assessoria afirmou também que a votação é só uma consulta ao corpo universitário e que não deve, nas regras da instituição, definir necessariamente o reitor.