Professor que leva DP a sério em São Paulo fica marcado

Professores denunciam falta de estrutura para cumprimento de DPs no ensino médio

São Paulo – Em tese, as dependências, conhecidas como DPs, foram criadas para permitir que alunos do ensino médio, com bom desempenho escolar, possam progredir no curso quando apresentarem deficiência em um pequeno número de disciplinas. Mas, na prática, o reforço escolar previsto por meio das DPs não se concretiza e os professores que tentam colocá-lo em prática se sentem marcados pela direção das escolas em que atuam, afirmam docentes da rede pública estadual paulista ouvidos pela Rede Brasil Atual.

Na teoria, no ano seguinte ao mau rendimento em parte do conteúdo, o estudante voltaria a estudar as matérias que não ficaram bem sistematizadas. Isso ocorreria simultaneamente às disciplinas da nova etapa, sem atraso. Previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação como progressão parcial, as DPs são destinadas a estudantes cujo rendimento tenha sido insatisfatório em até três disciplinas das 12 cursadas por ano, no ensino médio. A partir de quatro disciplinas com baixo rendimento, o aluno fica retido.

Na prática, as DPs não são cumpridas em escolas do estado por falta de estrutura como salas de aula e horários adequados. De acordo com docentes do ensino médio, os alunos são aprovados apesar de não dominarem o conteúdo das disciplinas pendentes. Em muitos casos, o reforço sequer ocorre. Quando ocorrem, é “só para cumprir protocolo”, segundo Sandra, professora de escola estadual da zona sul da capital paulista, que pediu para ter seu nome mantido em sigilo, por temer represálias.

“Não há salas disponíveis nas escolas para atender quem ficou em DP”, explica. Ela vê a falta de cumprimento das DPs como um elemento do modelo de progressão continuada aplicado no ensino médio no estado. “O aluno vai sendo empurrado. É o sistema de aprovação automática”, conceitua. “No final do ano, se o aluno não cumpriu a DP, mas foi bem no ano regular, ele é aprovado nas duas situações”, indica Sandra.

Por falta de espaço na grade diária de alunos e professores, mesmo que o docente tente dar aulas em outros horários, muitos alunos não conseguem cumprir. “Quando voluntariamente a gente se propõe a dar aula mais cedo, o aluno do noturno, por exemplo, não vai”, explica a docente. “As DPs são mal organizadas”, reflete Sandra. Mesmo assim, as reprovações praticamente não existem na rede.

Castigo

Os docentes não recebem remuneração adicional para as aulas de dependência. “Como professora contratada por 20 horas, meu horário não tem espaço para atender DPs”, afirma Sandra. Além disso, docentes que retêm alunos ficam marcados pelos diretores das escolas.

O professor que levar a sério a prática “leva um xis nas costas”, quer dizer, fica rotulado negativamente pela direção da escola e até pelos colegas. “Não ganhamos nada pelas DPs que ministramos, e ainda somos malvistos na escola”, lamenta a professora Patrícia (cujo nome verdadeiro também foi mantido em sigilo, a seu pedido). Ela é docente de escolas da zona leste e centro da capital paulista.

Patrícia destaca que professores têm liberdade de cátedra e a escola pode decidir entre ter o regime de dependências ou oferecer reforço escolar em determinadas disciplinas. Os alunos que frequentam o reforço, independentemente do desenvolvimento, têm aprovação garantida.

Em suas DPs, a professora exige atividades de pesquisa e avalia o desenvolvimento do aluno, mas nem ela, nem o estudante voltam à sala de aula para retomar os conteúdos mal compreendidos. “Não é o ideal, mas é o mais digno dentro da total falta de condições em que vivemos”, admite.

Apesar das dificuldades, Patrícia diz que é favorável à existência das DPs. “Para uma escola mais democrática, as dependências são um instrumento pedagógico importante”, defende. Cursar as dependências de forma séria é uma exigência de professores que valorizam o ensino, atribui. “Reprovar não é bom mesmo, mas deixar assim solto, sem aprendizagem da criança, é demais”, opina.

Para Patrícia, um dos problemas da combinação entre esse modelo de aplicação da progressão automática com a ausência de rigor com as DPs é a cultura de que não é preciso estudar. “Se há quem aprove direto, então ninguém se importa (em estudar)”, indica. Ela relata ter ouvido de um aluno: “não leve a mal professora, mas a sua disciplina está entre as que eu decidi não fazer esse ano”.

Procurada, a Secretaria Estadual de Educação não se manifestou sobre o problema, alegando que seria difícil questionar todas as escolas das regiões em que os professores relataram problemas para cumprimento de DPs.