Decisão de Serra é vista como máximo de escalada antidemocrática na USP

Na escolha de segundo em lista tríplice pesou proximidade de João Grandino Rodas a tucanos de peso e apoio de atual reitora ao mais votado

A escolha do diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, João Grandino Rodas, como reitor da Universidade de São Paulo (USP) é vista por boa parte comunidade interna como o ápice de um processo antidemocrático. Nas palavras de pessoas que circulam pelos bastidores da USP, José Serra colocou “a cereja no bolo”.

O governador quebrou uma regra que, se não está no papel, consagrava-se pela tradição. Desde 1981, na gestão de Paulo Maluf, ainda sob ditadura, o governador de turno vinha escolhendo o docente mais votado pelo restrito conselho de 320 integrantes. Nesta lógica, assumiria no fim de novembro o diretor do Instituto de Física de São Carlos, Glaucius Oliva, que obteve 161 votos, contra 104 de Rodas.

Depois, em 1989, foi conquistada a autonomia universitária, com gestão livre de recursos e, em tese, liberdade para definir internamente a escolha do reitor. Mas, no processo de escolha encerrado esta semana, o primeiro colocado não tinha bom trânsito com o grupo de Serra ao mesmo tempo em que era fortemente apoiado pela atual reitora, Suely Vilela. Suely, por sua vez, não goza de boa relação com o governador.

Rodas, por outro lado, transita bem entre os tucanos, tendo recebido apoio de ex-ministros e ex-secretários de governos do PSDB. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, presidiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão subordinado ao Ministério da Justiça que trata de fusões e desrespeito ao direito do consumidor.

Maria Victoria Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP, considera que o apoio partidário foi fundamental para a nomeação de Rodas. “A nomeação dele significa um reforço político e, sob certos aspectos, até uma cobrança. Serra, apesar de seus arroubos de independência, é um homem de partido e, numa época de intenso processo decisório em relação às eleições do ano que vem, não tem nenhum interesse em criar mais uma frente de conflito (com seu projeto)”, afirma.

Mas a decisão pode gerar um outro tipo de embate dentro da universidade. A decisão de quebrar o protocolo desgasta ainda mais a imagem de Serra perante setores que esperam a democratização da USP e a garantia de autonomia da universidade.

Francisco Miraglia, professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) e candidato derrotado no segundo turno, entende que a ampliação da participação da comunidade interna nas decisões é fundamental para a próxima administração, incluindo a integração de funcionários e estudantes à escolha do reitor.

Para o vencedor da consulta aberta e extraoficial organizada pela Associação dos Docentes da USP (Adusp), a decisão de Serra é “a culminação de um processo profundamente antidemocrático” pelo qual o reitor da USP é escolhido. “A gente tem insistido que, por conta da autonomia, a escolha do reitor deve se encerrar dentro da própria universidade”, sustenta Miraglia.

Sérgio Oliva, também do IME, entende como natural a postura do governador. “Na realidade, não me espanta. Ele (Serra) tem essa atribuição, estranho seria se não pudesse usá-la. Era algo que as pessoas já consideravam como uma possibilidade forte. A universidade tem que saber lidar com isso porque ela não está isolada no mundo”, pondera.

Para a Associação dos Docentes da USP, por outro lado, entende que o natural seria a escolha de Francisco Miraglia, vencedor da consulta interna. O presidente da entidade, João Zanetic, entende que no sistema de lista tríplice poderia acontecer qualquer coisa e que a posição adotada por Serra é indiferente porque a entidade não apoiava nenhum dos candidatos de uma eleição que considera ilegítima.

A professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Mayra Laudanna considera que a trajetória de Rodas foi fabricada ao longo dos anos por grupos políticos interessados em levá-lo ao poder e que houve muita pressão durante a campanha. “É mais um golpe do nosso ‘fantástico senhor intimidador José Serra’. Assim como todas as medidas que têm buscado a intimidação da população, essa é mais uma que atende a interesses que nós desconhecemos”, lamenta.

Em entrevista divulgada pelo Estadão Online, o novo reitor da USP manifestou que foi escolhido pela experiência que tem dentro e fora da universidade, como magistrado e presidente do Cade. João Grandino Rodas garantiu que não se sente desconfortável por não ter sido o mais votado. “Lista tríplice é assim mesmo. É tríplice porque dá à autoridade o poder de escolher. Na própria USP isso já ocorreu, na escolha de diretores de unidades”, disse.