Terrorismo econômico

Juros altos agravam a situação fiscal e são descabidos, afirma Leda Paulani

Elevação da taxa de juros custou quase R$ 600 bilhões ao país em 2022, quatro vezes mais do que os investimentos em Saúde previstos para este ano

Raphael Ribeiro/BCB
Raphael Ribeiro/BCB
Política monetária comandada por Campos Neto é obstáculo para o crescimento, aponta economista

São Paulo – Para a economista Leda Paulani, o Brasil não apresenta sinais de desequilíbrio inflacionário e nem fiscal. Portanto, a taxa básica de juros de 13,75% que o Banco Central (BC) mantém desde agosto do ano passado é completamente “descabida”. Assim, não se trata apenas de um remédio amargo que debilita os sinais vitais do paciente. Praticando os maiores juros reais do mundo, a atual política monetária drena recursos fundamentais públicos para os rentistas. Tudo isso sob o “terrorismo econômico” propalado pela mídia tradicional, alinhada aos interesses dos grandes grupos financeiros.

Professora do Departamento de Economia e da Pós-graduação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Leda é uma das signatárias do recente manifesto de economistas que pedem mais “razoabilidade” nas taxas de juros no Brasil.

“Esse doente não está doente. Nós não temos um problema de descontrole inflacionário no Brasil. Nós não temos um problema de descontrole fiscal. Em nome dessas duas doenças, que não existem, se mantém a taxa de juros num nível absurdo, matando todas as possibilidades de crescimento da economia”, afirmou a economista ao jornalista Rafael Garcia, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (15).

Argumento falacioso

Em função da elevação da selic, as despesas com juros somaram R$ 586 bilhões em 2022, maior valor em cinco anos. Como comparação, é quase quatro vezes o valor dos investimentos em Saúde neste ano, fixado em R$ 162,9 bilhões, de acordo com o Orçamento da União. A PEC da Transição, que setores da imprensa apelidaram de “PEC da gastança” também prevê despesas da ordem de R$ 160 bilhões. Nesse sentido, Leda Paulani contesta o discurso dos economistas de mercado que pressionam pela redução dos gastos públicos, mas não dão a mínima para a conta dos juros.

“É como se o dinheiro para Saúde, Educação – tudo aquilo que pode produzir aumento de renda, de emprego etc. – fosse um problema enorme, o que eles chamam de “descalabro fiscal”. O dinheiro que se usa para pagar rendimento daqueles que carregam títulos públicos, aí esse, não. Esse cai fora da conta. É uma contradição que precisa ser mostrada. As pessoas precisam entender, para saber como que esse tipo de argumento é falacioso, mentiroso”.

Outro crítico da política monetária, o economista André Lara Resende, em artigo publicado no jornal Valor, na semana passada, destacou que as contas públicas registraram superávit de R$ 126 bilhões, equivalente a 1,3% do PIB, no ano passado. Do mesmo modo, a dívida bruta caiu 1,1% em proporção do PIB, para 73,5%.

Por outro lado, Leda afirma que a inflação atual do Brasil deriva de “choques externos”, em função da guerra na Ucrânia e consequências de longo prazo da pandemia, que contribuíram para a elevação dos preços em todo o mundo. Internamente, não há qualquer fator relevante que indique desequilíbrio nos preços. Ou seja, nada justifica manter as taxas de juros em níveis tão elevados.

Terrorismo econômico

Nesse sentido, a economista fez coro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que diz que o Brasil vive uma “cultura” de juros elevados. “Isso matou a economia brasileira, são décadas de baixo crescimento, de desindustrialização, quer dizer, de perda de oportunidade de empregos de melhor qualidade, com melhores salários etc.”

Essa “cultura”, segundo ela, é resultado do poder das elites financeiras do país e da imprensa tradicional, que utilizam apenas economistas ligados ao mercado para repercutir temas da política monetária e fiscal, que pressionam pela manutenção dos juros altos. “É uma ameaça permanente, um terrorismo econômico. Venho falando disso há mais de 20 anos, tem um terrorismo econômico que é praticado com a convivência, a parceria, da grande mídia corporativa”, denunciou.

O jogo parece virar, no entanto. Nas últimas semanas, Lula comprou uma briga pública com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, contra a alta dos juros. Nessa terça (14), centrais sindicais e movimentos sociais também saíram às ruas para protestar. Além disso, 76% dos brasileiros dizem que Lula acerta em combater os juros altos no Brasil, de acordo com pesquisa Genial Quaest divulgada também ontem. Ou seja, apesar da blindagem da mídia corporativa, a pressão contra Campos Neto e sua política recessiva é cada vez maior.

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