Infraestrutura

Infra Week: empresas que venceram leilões têm histórico de corrupção e dano ambiental

Governo federal concedeu, na semana passada, 28 ativos de infraestrutura ao setor privado pelos próximos 30 anos

Ricardo Botelho/Ministério da Infraestrutura
Ricardo Botelho/Ministério da Infraestrutura
Ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, posa com martelo em evento da Infra Week

Brasil de Fato – O governo Jair Bolsonaro concedeu na semana passada ao setor privado 28 ativos de infraestrutura, em megaleilão que envolveu cinco portos, 22 aeroportos e um trecho de ferrovia. O período de liquidação foi apelidado pelo Ministério de Infraestrutura com o nome em inglês Infra Week – em uma tradução literal, “semana da infraestrutura”. As concessões são válidas por 30 anos. A União arrecadou, ao todo, R$ 3,56 bilhões. Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista e técnico do Dieese, Cloviomar Cararine, questionou a realização dos leilões no auge da pandemia.

“Há problemas na forma em que as concessões estão sendo realizadas, sem contrapartidas claras de geração de empregos e renda, além do cuidado ambiental. O risco social, ambiental e econômico fica com o Estado, e a iniciativa privada entra com a exploração do negócio e apropriação do lucro”, analisou. Ao menos quatro empresas vencedoras dos leilões têm histórico de envolvimento em investigações de corrupção ou danos ambientais.

O Grupo CCR venceu os leilões dos aeroportos de Curitiba (PR), Foz do Iguaçu (PR), Navegantes (SC), Londrina (PR), Joinville (SC), Bacacheri (PR), Pelotas (RS), Uruguaiana (RS), Bagé (RS), Goiânia (GO), São Luís (MA), Teresina (PI), Palmas (TO), Petrolina (PE) e Imperatriz (MA). A companhia já operava outras 18 concessões no Brasil e no exterior, divididas em 3.955 quilômetros de rodovias, 50 estações de metrô, 19 de barcas, três linhas de VLT e quatro aeroportos. Com os 15 aeroportos conquistados no leilão da 6ª rodada ANAC, a empresa passa a administrar 19 aeroportos, sendo 16 no Brasil. 

Propina e mudança de última hora no edital

Recentemente, o Grupo CCR teve uma de suas empresas envolvida na operação Lava Jato. Investigada por pagamentos de propina, no Paraná, a CCR Rodonorte assinou um acordo de R$ 750 milhões junto à operação, em março de 2019. Parte da multa foi usada para reduzir em 30% o valor do pedágio nos trechos das rodovias BR 373, BR 376, BR 277 e PR 151 em que atuava como concessionária.

O esquema das propinas, segundo o Ministério Público Federal (MPF), funcionava desde o ano 2000. E permitia que a empresa fosse desobrigada a realizar obras previstas em contrato. Além disso, a empresa teria sido favorecida em processos de licitação, em troca de financiar campanhas políticas.

megaleilão de aeroportos Divulgação/Portal da Copa
Aeroporto Afonso Pena, de Curitiba (PR), foi concedido em megaleilão à empresa CCR pelos próximos 30 anos (Divulgação/Portal da Copa)

No último dia 7, a deputada Mabel Canto (PSC) denunciou na Assembleia Legislativa do Paraná uma suposta manobra do governo do Paraná para que o Grupo CCR pudesse participar dos leilões. A primeira versão do edital n.º 01/2020 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), de 18 de dezembro de 2020, exigia que as empresas participantes do leilão apresentassem declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública e comprovassem ausência de impedimentos relacionados à Lei de Improbidade Administrativa e à Lei de Licitações.

O edital teria sido modificado pela Controladoria Geral do Estado (CGE), segundo a deputada, oito dias antes da publicação, permitindo ao grupo participar do leilão. A empresa diz que essa informação é “totalmente inverídica” – a resposta segue ao final da matéria.

Investigada nos EUA e no Reino Unido

A empresa Bahia Mineração S.A (Bamin), que venceu o leilão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), no trecho de 537 km entre Ilhéus e Caetité (BA), é subsidiária do conglomerado Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão. O ERG é investigado por corrupção no Reino Unido e por “má conduta” e “pagamentos suspeitos” nos Estados Unidos. Embora a sede das operações seja o Cazaquistão, o ERG está registrado em Luxemburgo, um paraíso fiscal considerado o “cofre secreto” da Europa.

O Terminal Químico de Aratu (Tequimar), que pertence à empresa Ultracargo, venceu o leilão de uma das áreas do Porto de Itaqui (MA). A empresa foi multada em R$ 570 mil, em maio do ano passado, pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), por vazar 300 quilos de óleo diesel no estuário de Santos (SP).

A Ultracargo também está ligada a incêndio em tanques de combustível da empresa no bairro Alemoa, em Santos, em abril de 2015. O incêndio resultou em um acordo de R$ 67,5 milhões para compensação dos danos. O termo foi assinado em 2019 junto ao MPF e ao Ministério Público Estadual.

Nove toneladas de peixes, de 142 espécies diferentes, morreram em decorrência do incêndio. Pelo menos 15 comunidades pesqueiras foram diretamente afetadas pelo fogo, que só foi apagado após oito dias.

O acordo previa a implantação de um projeto de manejo de pesca para elevar a quantidade de peixes no estuário. E também ações voltadas à capacitação de pescadores, investimentos em infraestrutura, aquisição de equipamentos e projetos de pesquisa. A empresa cumpriu com o que foi determinado pelo Ministério Público.

O incêndio teria sido causado por um erro operacional nas tubulações de sucção e descarga.


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O MPF apontou “dolo eventual” da Ultracargo, ao “falhar na adoção das medidas preventivas e também no combate inicial às chamas, ao não zelar pela adequada operação do sistema de bombas e pelo correto funcionamento do sistema fixo de espuma de combate a incêndio, ao não garantir acesso rápido de sua brigada de incêndio às roupas de proteção individual e ao não impedir que os líquidos resultantes do combate ao incêndio escoassem para o estuário.”

Para apagar o fogo, foram utilizados mais de 8 bilhões de litros de água do mar.

As outras três áreas destinadas à movimentação de combustíveis no Porto de Itaqui serão administradas pela Santos Brasil.

A empresa foi criada há 24 anos para operar o Terminal de Contêineres (Tecon) de Santos (SP), maior terminal da América do Sul. E já investiu mais de R$ 5 bilhões em aquisições, expansões, novos equipamentos e tecnologia.

Informação privilegiada

Em 2014, o MPF denunciou o ex-presidente da empresa, Wady Jasmin, e o então diretor de Relações com Investidores, Washington Cristino Kato, por um crime conhecido como insider trading – obter lucro com informação privilegiada. “Os dois utilizaram, para obter vantagem indevida, informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, de que tinham conhecimento em razão de suas funções e que deveriam manter em sigilo”, segundo o texto da denúncia.

Em 2017, a empresa também foi investigada por irregularidades no arrendamento do Tecon, na Margem Esquerda do Porto de Santos. Os indícios levantados pelo MPF apontavam fraude na composição do consórcio que venceu a licitação.

Em dezembro do ano passado, a Santos Brasil teve de pagar R$ 91 milhões ao Sindicato dos Estivadores de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão. Isso depois de ser condenada por contratar mão de obra irregular, de outras categorias, no lugar dos estivadores.

Nas palavras do juiz do trabalho José Bruno Wagner Filho, a empresa se absteve “da utilização de mão de obra não especializada (não estivadores) nos trabalhos de estiva, que somente devem ser realizados por estivadores cadastrados ou registrados, avulsos ou não, sob pena de multa de R$ 20 mil por cada trabalhador irregular.”

Outro lado

Brasil de Fato entrou em contato com as quatro empresas para comentar as informações apresentadas. O Grupo CCR enfatizou à reportagem que a empresa vencedora no leilão da Anac “não se confunde com a CCR Rodonorte. A suspensão temporária do direito de participação em novos leilões abrangia a CCR RodoNorte e não todas as empresas do grupo.”

“Outro ponto a ser enfatizado é que esta suspensão temporária dizia respeito aos ativos do Estado do Paraná e não da União. Por fim, a citada suspensão do direito da CCR Rodonorte foi revogada pela Controladoria-Geral do Estado do Paraná em dezembro de 2020”, acrescenta a nota do Grupo CCR.

A empresa ressaltou ainda que o leilão dos Blocos Central e Sul de aeroportos foi promovido pela União/ANAC, não tendo a Controladoria Geral do Paraná feito qualquer modificação nos respectivos editais. “Portanto, totalmente inverídica a afirmação de que o edital teria sido modificado pela CGE PR oito dias antes da publicação, permitindo o Grupo CCR participar do leilão.”


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A Ultracargo afirma que sempre operou seguindo as normas nacionais e internacionais, “indo além dos requisitos legais. E que, por isso, é “referência em segurança em seu segmento”. A empresa acrescenta que investiu, nos últimos anos, R$ 80 milhões em “iniciativas que reforçam a segurança das nossas operações.” 

A Ultracargo ressalta que suas operações são conduzidas em conformidade com as mais conceituadas certificações e avaliações do mercado. E reafirma seu compromisso com a segurança e desenvolvimento de seus colaboradores, da população e do meio ambiente no entorno de suas operações”, completa o texto.