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Brasil precisa mudar a política do ‘teto de gastos’ para a economia voltar a crescer

O economista Sérgio Mendonça avalia que o debate em torno da PEC da Transição não pode sucumbir aos “interesses de curto prazo do mercado financeiro”, o que coloca em jogo o papel do Estado na economia

YouTube/AFBNB
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“O que o mercado quer é um estado mínimo entre aspas. É um estado que atenda aos interesses do mercado financeiro”, contesta o economista Sérgio Mendonça em entrevista à Rádio Brasil Atual

São Paulo – O economista Sérgio Mendonça, diretor do site Reconta aí e integrante do Conselho Regional de Economia de São Paulo, defendeu, nesta quarta-feira (30), o fim do chamado teto de gastos para a criação de um novo arcabouço fiscal no país com regras de natureza anticíclica para o enfrentamento de crises. Isso permitiria investimentos públicos para que a economia tenha condições de retomar seu crescimento ou ser protegida de oscilações negativas. 

Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o especialista afirmou que o Brasil tem condições para a construção dessa nova regra, em 2023, ou até mesmo a inclusão dela na PEC da Transição, que tramita desde ontem (29) no Senado. “Monta-se um novo arcabouço fiscal que tem características anticíclicas para usar o estado nos momentos mais necessários. E já existem experiências internacionais nessa direção. Então isso muito provavelmente será um debate importante do ponto de vista fiscal para 2023 e propondo uma regra que depende do congresso para os anos seguintes”, observa o ex-secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento.

A discussão em torno dessa medida, ainda de acordo com o economista, passa por tirar do debate a questão fiscal contaminada pelos “interesses de curto prazo do mercado financeiro”. É como ele classifica as reações negativas do setor diante da proposta do governo eleito de Lula, de tirar da regra fiscal os valores do Bolsa Família para garantir o pagamento de R$ 600 do programa no próximo ano. A PEC da Transição estima, ao todo, um custo extra teto de R$ 198 bilhões para evitar um apagão social em 2023. 

Interesses do mercado em jogo

O mercado financeiro defende, porém, a manutenção do teto. Mas o economista garante que, desde que a regra foi implementada, em 2016, ela é inexequível. Mendonça lembra que o governo derrotado de Jair Bolsonaro (PL) desrespeitou a medida ainda em seu primeiro ano, em 2019. Ao todo, a gestão bolsonarista soma R$ 789 bilhões de recursos burlados nos últimos quatro anos, o que não contempla apenas o período da pandemia de covid-19, que teve início em 2020. 

“Ela (regra do teto de gastos) foi desrespeitada em torno de R$ 800 bilhões pelo governo que está saindo e o mercado assumiu numa boa. Mas agora, quando se discute R$ 198 bilhões parece que o mundo vai cair”, ironiza o economista. Ele diz que, “na verdade, o que o mercado quer é um estado mínimo entre aspas. É um estado que atenda aos interesses do mercado financeiro”, adverte. 

Sérgio Mendonça explica que uma política anticíclica, que prevê a atuação do Estado, remete ao primeiro governo Lula, em 2003. Ela foi colocada em prática diante da crise mundial de 2008 e foi o que permitiu que o Brasil passasse por essa turbulência global de forma melhor do que a maioria dos países. Nesse caso, as empresas públicas, como Petrobras e Eletrobras, e os bancos públicos, entre os quais o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, tiveram papel fundamental para garantir uma recuperação do país. 

Força do Estado no mundo

“O Brasil rapidamente saiu (da crise) em 2009 e 2010 já cresceu quase 8%”, comenta o economista. Ele completa que a insistência do mercado financeiro com um suposto risco fiscal, reverberado pela mídia comercial, é ainda um debate “ultrapassado”. Já em 2008 e, principalmente, após a pandemia, a participação do Estado voltou a ser central. “A União Europeia e o governo americano estão fazendo programas com forte intervenção do Estado para o crescimento econômico”, detalha. 

Ele também observa que a aprovação da PEC da Transição será fundamental para que o futuro presidente comece a operar com “as mínimas condições de gestão da máquina pública”. Ainda nesta terça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse acreditar que será possível votar a proposta em plenário já na próxima semana. 

Saiba mais na entrevista