Nova chance

A antropofagia no caminho da indústria brasileira: cenário global abre oportunidades

Para economista Antonio Corrêa de Lacerda, mundo pós-globalização e novo governo melhoram as expectativas do setor produtivo

Reprodução/CNI
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São Paulo – Lançado no final do ano, o livro Reindustrialização para o desenvolvimento brasileiro (Editora Contracorrente, 2022) traz reflexões sobre as possibilidades de fortalecimento do setor produtivo em novo cenário global. E interno também, com a eleição de um governo que tende a valorizar a indústria brasileira. Organizador do livro, o professor-doutor Antonio Corrêa de Lacerda avalia que o Brasil tem boas oportunidades de reinserção considerando o novo ambiente econômico. O estudioso identifica o papel do Estado no desenvolvimento de diferentes potências econômicas. Cita Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e China. “O Brasil pode e deve se espelhar nesses modelos, não necessariamente copiando-os, mas à la Oswald de Andrade, numa antropofagia, tropicalizando boas experiências internacionais e a nossa própria.”

Para Lacerda, além disso, as transições para a economia do baixo carbono, para a economia verde e a economia digital nos abrem novas oportunidades. “Os países estão repensando a localização dos seus investimentos e o Brasil tem boas chances, desde que adote medidas para isso”, afirma o ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e membro do governo de transição.

De volta à agenda

Dividido em cinco capítulos, o livro aborda temas como desenvolvimentismo, macroeconomia e tecnologia, além de analisar possíveis causas do “atraso” brasileiro. Oito autores assinam os textos.

Lacerda destaca também a recriação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). “Isso vai recolocar o tema da política industrial de volta à agenda, de onde nunca deveria ter saído.”

Antonio Corrêa de Lacerda atuou no governo de transição. Para ele, os setores preocupados com a recuperação da indústria têm de lidar com um debate público ainda dominado pelo setor financeiro

No lançamento do livro, você falou que não pode haver uma “volta ao passado”. O que significa, hoje, pensar em políticas industriais no Brasil? Qual o peso da indústria brasileira nessa “reconstrução”?

Fiz a menção porque é um reconhecimento de que o Brasil venceu o desafio de se industrializar no século 20. Nas últimas décadas vivemos um processo de desindustrialização precoce. Agora, portanto, o desafio é a reindustrialização considerando as novas circunstâncias, da pós-globalização, pós-guerra Rússia e Ucrânia e pós-pandemia. Isso amplia o esforço necessário. Por outro lado, as transições para a economia do baixo carbono, para a economia verde e a economia digital nos abrem novas oportunidades. Os países estão repensando a localização dos seus investimentos e o Brasil tem boas chances, desde que adote medidas para isso.

Qual é o papel do Estado nesse processo?

É fundamental. Veja Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e China.

Quatro países de características estruturais diferenciados entre si e também em diferentes estágios de desenvolvimento. O que há de comum entre eles? O papel do Estado, em coesão com a indústria e institutos de pesquisa em prol da industrialização renovada como base para o desenvolvimento.

O Brasil pode e deve se espelhar nesses modelos, não necessariamente copiando-os, mas a la Oswald de Andrade, numa antropofagia, tropicalizando boas experiências internacionais e a nossa própria.

O ressurgimento do Ministério da Indústria e Comércio, por si só, conseguirá recolocar a política industrial na agenda econômica do país?

Como integrante do governo de transição, na área econômica, vejo como um grande avanço a recriação dos ministérios da Planejamento, assim como o de Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior. Também houve o desmembramento do ministério da Gestão, outro grande avanço. No caso específico do MDIC, isso vai recolocar o tema da politica industrial de volta à agenda, de onde nunca deveria ter saído. A nomeação do vice-presidente (Geraldo) Alckmin como titular da pasta sem dúvida representa o seu empoderamento.

As dificuldades são mais de ordem política do que econômica?

Há a questão da correlação de forças e no Brasil há a supremacia do setor financeiro e do agronegócio na definição da política econômica. A indústria brasileira, o comercio e os serviços precisam exercer maior influência no Executivo e no Legislativo para fazer valer seus interesses. Claro que tudo deve ser em prol do desenvolvimento da nação e não vantagens setoriais.

Com a cobertura jornalística dominada pelo mercado financeiro, falta uma visão mais abrangente sobre a importância do setor industrial?

Sim. O debate público via mídia é dominado pelos interesses rentistas.

É preciso ampliar os espaços para discussão das questões ligadas ao desenvolvimento, e vejo que há boas possibilidades de recolocar a questão. A começar com uma atuação mais firme das entidades representativas dos setores produtivos e da própria sociedade, no sentido de democratizar as decisões econômicas.