Entre a urna e a bolsa

Bolsonaro ataca Petrobras para esconder que não consegue resolver a crise dos combustíveis

Chefe do governo finge que não é com ele: responsabiliza o cenário externo, os governadores, os impostos e a Petrobras, diz William Nozaki. Empresa anunciou hoje novos reajustes na gasolina (5,18%) e diesel (14,26%)

Fernando Frazão/Agência Brasil
Fernando Frazão/Agência Brasil
Não só a subida de preços é um problema criado pelo governo, como deveria ser gerido pelo governo. Mas não é

São Paulo – A política de preços da Petrobras é hoje o maior problema econômico do governo de Jair Bolsonaro e principal ameaça ao seu já difícil projeto de reeleição. Diante da iminente nova rodada de reajustes no valor do diesel, nesta sexta-feira (17) o presidente declarou-se contra a majoração e atacou a companhia. A estratégia, no momento, é culpar a estatal pelos problemas que o próprio governo não consegue resolver.

“O Governo Federal como acionista é contra qualquer reajuste nos combustíveis, não só pelo exagerado lucro da Petrobras em plena crise mundial, bem como pelo interesse público previsto na Lei das Estatais”, escreveu Bolsonaro na manhã de hoje, no Twitter. “A Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos. Seus presidente, diretores e conselheiros bem sabem do que aconteceu com a greve dos caminhoneiros em 2018, e as consequências nefastas para a economia do Brasil e a vida do nosso povo”, acrescentou, em claro tom de ameaça velada.

Em reunião extraordinária ontem (16), o Conselho de Administração da companhia autorizou o aumento de combustível. Hoje, em nota, a empresa anunciou as novas altas nos preços da gasolina e do diesel vendidos às distribuidoras, a partir deste sábado (18). O diesel não era reajustado desde 10 de maio. Já a última alta no preço da gasolina havia sido em 11 de março. Os preços do GLP não serão alterados.

O preço médio de venda de gasolina para as distribuidoras passará de R$ 3,86 para R$ 4,06 por litro (alta de 5,18%). Para o diesel, o preço médio de venda da Petrobras para as distribuidoras passará de R$ 4,91 para R$ 5,61 por litro (alta de 14,26%).

A política de preços dos combustíveis é balizada pelo preço de paridade de importação (PPI), que, em resumo, varia de acordo com parâmetros internacionais e o preço do barril de petróleo no mercado mundial.

Essa política passou a vigorar a partir do governo Michel Temer, em 2016. Até então, era o governo que controlava os preços. A atual política – definida pelo mercado – é defendida desde sempre pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”. Mas, com a proximidade das eleições, o presidente tenta culpar a Petrobras pelos problemas de sua própria política.

“Problema criado pelo governo”

“Não só a subida de preços é um problema criado pelo governo, como deveria ser gerido pelo governo na condição de acionista majoritário da Petrobras. O governo, mais uma vez, tenta se livrar da responsabilidade pelo problema. Primeiro, faz isso responsabilizando o cenário externo pelo que acontece. Depois, colocou a responsabilidade sobre os governadores; depois, sobre os impostos e agora sobre a Petrobras”, diz William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

A tentativa bolsonarista é criar uma cortina de fumaça para tentar esconder os fatos: que a administração equivocada da estatal leva à inflação de combustíveis e que isso é responsabilidade do próprio governo. “Bolsonaro está pressionado por interesses antagônicos: de um lado a urna, de outro lado a bolsa de valores. Ele vai ficando cada vez mais desesperado, e, ao que tudo indica, nessa queda de braços entre a bolsa e a urna, com essa última autorização de reajuste, é a bolsa que está ganhando”, avalia o analista.

Compromisso com o mercado, não com o país

Sobre o fato de Bolsonaro afirmar que o governo é contra qualquer reajuste nos combustíveis na condição de acionista, Nozaki diz que o governo se comporta como se fosse mais um acionista minoritário disputando posição dentro da empresa, quando na verdade ele é o acionista majoritário, que indica o presidente, a direção, e tem condição de tomar a decisão para mudar a situação. “Se não se altera, é porque a direção e o conselho indicados pela União são compostos por pessoas que têm compromisso com o mercado e não com o Brasil.”

A direção sobre as diretrizes da política de preços é tomada no conselho, mas a aplicação é executada pela direção. Nos dois casos, explica Nozaki, a maioria é de indicados pelo governo, já que ele é o acionista majoritário.

Projeto do ICMS é inócuo

Sobre o projeto que limita o ICMS (imposto estadual) sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, aprovado no Congresso, que o governo entende que vai fazer com que os preços diminuam, Nozaki diz que a tendência é que a medida seja inócua. “O percentual de redução de preços que se vai conseguir com toda essa alteração no ICMS vai ser absorvido pela PPI com essas autorizações de subida de preços.”

Na quarta-feira, o ex-governador do Piauí, Wellington Dias (PT), ex-coordenador da área de ICMS no Fórum Nacional de Governadores, afirmou que a estratégia do governo Bolsonaro de usar o ICMS na política é “apenas para jogar o povo contra governadores”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o mais importante aliado político de Bolsonaro hoje, defende a privatização da estatal e faz campanha agressiva contra ela. “A República Federativa da Petrobras, um país independente e em declarado estado de guerra em relação ao Brasil e ao povo brasileiro, parece ter anunciado o bombardeio de um novo aumento nos combustíveis”, escreveu no Twitter. Lira também está desesperado com a situação, já que seu projeto depende da reeleição muito improvável de Bolsonaro.

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