Grilagem legalizada

Assembleia paulista aprova projeto que entrega terras públicas ao agronegócio

Deputados estaduais liberam governo paulista a regularizar terras públicas que foram tomadas por ruralistas. Bancada do PT prepara batalha jurídica para reverter decisão

Reprodução/Youtube
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O PL aprovado é de interesse dos ruralistas paulistas, que estendem seu latifúndio de cana pelo estado

São Paulo – A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou nesta quarta-feira (29), por 48 votos a 15, o Projeto de Lei (PL) 277/2022, que na prática entrega terras públicas ao agronegócio. Isso porque institui o Programa Estadual de Regularização de Terras, autorizando o governo estadual a regularizar terras públicas ocupadas acima de 15 módulos. Para movimentos rurais e a liderança do PT na Casa, o PL foi elaborado para tornar legal a grilagem das áreas públicas e devolutas do estado. Ou seja, um novo formato de usurpação de terras públicas.

De autoria dos deputados Vinicius Camarinha (PSDB), Carla Morando (PSDB), Mauro Bragato (PSDB) e Itamar Borges (MDB), o projeto retoma artigos que foram rejeitados na tramitação de outro PL, o 410, que ficou conhecido como “PL da Grilagem”. “É o possível maior repasse de terras públicas desde a lei de terras de 1850”, avalia Kelli Mafort, assentada da reforma agrária e dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em São Paulo.

Para a oposição ao projeto, a medida é inconstitucional, como aponta um parecer jurídico apresentado pela liderança do PT que lembra aos parlamentares paulistas que a iniciativa legislativa de dispor de bens públicos é privativa do Executivo.

Terras públicas só para reforma agrária

Por isso, já preparam um arsenal jurídico para reverter a decisão de hoje. Segundo Kelli, a primeira lei de terras, de 1850, determinava que as terras do Brasil (invadidas pelos europeus) seriam de quem as comprasse. “Elitismo total. Quem tinha grana? Nada de reparação ao povo negro em 1888. Nada para indígenas. Nem de reforma agrária”, diz. “Em 1850 compraram, a preço baixo, diga-se. E vários deles foram só invadindo mesmo e aguardando uma regularização. Para se manterem nas terras, compravam o silêncio do Estado, apresentando documentos falsificados, envelhecidos por excremento de grilo”, conta a dirigente. É dessa prática que vem o termo “grilagem”.

“O artigo188 da Constituição federal prescreve que a política agrária, as terras públicas e devolutas, deverão ter compatibilizados o seu uso com o Plano Nacional de Reforma Agrária. Em outras palavras, as terras públicas devolutas devem ser destinadas prioritariamente para a reforma agrária. E a Constituição estadual, em seu artigo 185, dispõe que a política agrária do estado de São Paulo deverá ser compatibilizada com as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária”, diz o advogado popular Nilcio Costa, do Setor de Direitos Humanos do MST.

PL é inconstitucional, diz advogado

Segundo o advogado, há outro ponto questionável: o chamado vício de iniciativa. “Há o entendimento de que, por se tratar de um projeto de lei sobre a alienação das terras públicas e devolutas do estado de São Paulo, a competência para dar o início a um processo legislativo seria do governador. Ou seja, do Poder Executivo. E no caso do PL 277, foi proposto por parlamentares. Então há esse vício de competência na iniciativa do processo legislativo”.

A sessão que aprovou o PL que autoriza a transferência de terras públicas ao agronegócio paulista durou seis horas. Uma batalha marcada pelo uso de dispositivos regimentais para evitar a deliberação. Os deputados da oposição questionaram o tempo todo os encaminhamentos do rito de votação, checando o quórum constantemente, na tentativa de derrubar a sessão. E ocuparam a tribuna com críticas e denúncias sobre as ilegalidades, os impactos negativos e os danos econômicos e sociais da concentração de terra que advirão da aprovação.

“Perdemos a votação do PL, mas não perdemos a batalha. Continuaremos na trilha em defesa da reforma agrária e das políticas públicas de apoio e incentivo aos trabalhadores do campo, produtores da agricultura familiar e das dinâmicas produtivas desenvolvidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Enfrentamos, resistimos e exaurimos todos os instrumentos de obstrução e barramos até o último minuto o PL 277/2022, que explicita o butim da elite ruralista e a face exploradora dos latifundiários, sua gene escravagista, que encontra abrigo nas ações do governo do PSDB no estado de São Paulo. Seguiremos lutando nas esferas da Justiça”, disse a líder da bancada do PT, deputada Márcia Lia.