Novo "mito"

Bolsonaro se omite sobre a Petrobras por temer reação do mercado financeiro

Falta coragem política para fazer “embate” com investidores da Petrobras, que lucram bilhões, enquanto a maioria da população sofre para arcar com a alta dos combustíveis e seus impactos na inflação

Petrobras/divulgação - Youtube/reprodução
Petrobras/divulgação - Youtube/reprodução
Dias após Bolsonaro apelar contra alta dos combustíveis, diesel subiu 8,8%

São Paulo – Na semana passada, a Petrobras anunciou lucro líquido no primeiro trimestre deste ano de R$ 44,5 bilhões. O presidente Jair Bolsonaro esbravejou. Disse que os lucros bilionários da companhia são um “estupro”, um “absurdo”. Mas lavou as mãos. Limitou-se a apelar à estatal para que não mais reajustasse os preços dos combustíveis. Em live nas redes sociais, disse que “não manda na Petrobras” e que seria uma “irresponsabilidade” interferir na empresa. Poucos dias depois, ignorando os acenos do presidente, a companhia aumentou em 8,8% o preço do diesel nas refinarias, que passou a valer a partir desta terça-feira (10).

O que Bolsonaro chama de “irresponsabilidade”, na verdade, se trata de omissão. Isso porque é ele quem escolhe o presidente da Petrobras, bem como os representantes do governo, que são maioria, no Conselho de Administração da Estatal. Logo, se assim quisesse, ele poderia determinar que a atual política de preços dos combustíveis fosse alterada.

Desde 2016, a Petrobras vem aplicando o chamado Preço de Paridade de Importação (PPI). Não se trata apenas de acompanhar a variação do petróleo no mercado internacional. Na prática, essa política considera como se os combustíveis no Brasil fossem 100% importados. Além do custo em dólar em todas as etapas de produção, o PPI também inclui custos de frete e taxas de importação inexistentes, na hora de definir os preços. É essa receita que tem contribuído para garantir lucros enormes aos acionistas, enquanto a maior parte dos brasileiros sofrem com a explosão nos preços dos combustíveis.

De acordo com a pesquisadora Carla Ferreira, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a Petrobras, como uma empresa estatal de capital aberto, tem um duplo caráter: Ao mesmo tempo que deve levar em conta a rentabilidade dos seus acionistas, não pode abrir mão da sua função social.

Interesses em disputa

“O que a gente observa é que a Petrobras tem funcionado muito mais como uma empresa só de acionistas, com uma visão muito mais ‘curtoprazista’, do que uma empresa estatal que tem uma função social. Ao mesmo tempo, o consumidor brasileiro em geral está sofrendo com o aumento de preços”, afirmou Carla. A especialista acrescenta que “o governo federal vem se desresponsabilizando e se omitindo dessa articulação necessária para a resolução do problema”.

Porém, não se trata apenas de uma questão técnica, mas política. Isso porque o PPI é responsável por garantir a distribuição de astronômicos dividendos aos acionistas da Petrobras, que superam inclusive os ganhos distribuídos pelas grandes petrolíferas internacionais. A tabela abaixo, elaborada pelo economista Eduardo Costa Pinto, também do Ineep, demonstra a discrepância dos números da Petrobras na comparação com as algumas das principais petrolíferas internacionais.

O lucro líquido, a margem líquida e os dividendos da estatal brasileira ultrapassam por muito os resultados obtidos pelas demais. Nesse sentido, Carla afirma que qualquer tentativa de rever o PPI resultaria em um “embate” com o sistema financeiro, “que está satisfeito com esse tipo de política que está sendo implementada”.

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Fonte: Eduardo Costa Pinto/Ineep

Cálculo político em risco

Tal justificativa de Bolsonaro, de que não pode rever a política de preços, também serve para ludibriar os caminhoneiros. Em 2018, durante o governo golpista de Michel Temer, Bolsonaro apoiou a greve da categoria, tentando se beneficiar politicamente. Na ocasião, foi a primeira reação organizada contra o PPI. O então presidente da Petrobras, Pedro Parente, acabou demitido. Depois dele, outros quatro nomes passaram pelo comando da empresa, mas não houve mudança significativa na política de preços.

“Os caminhoneiros, de alguma forma, sustentaram Bolsonaro nas eleições e o governo um pouco depois. E agora, se continuar esse movimento altista, tenho impressão que parte desse grupo vai se descolar do presidente. Por isso que talvez ele tente fazer esse discurso de que a Petrobras é como se fosse uma coisa alheia ao seu governo. E que não poderia implementar outra política de preços, enquanto que o direcionamento da companhia vai se mantendo”, analisou Carla.

Como alternativas, o Ineep propõe que a Petrobras passe a considerar os custos em reais na produção de combustíveis. Outra sugestão é a criação de um fundo de estabilização, proposta que divide opiniões, mas já foi aprovada no Senado e aguarda apreciação na Câmara dos Deputados. Além disso, outra saída seria a aplicação de um tributo com alíquota variável, que oscilaria no sentido contrário da variação do preço do petróleo no mercado internacional.