Marcha lenta

Por falta de peças, Mercedes volta a colocar mais de 5 mil trabalhadores em férias coletivas

Sindicato cobra política industrial do governo federal para enfrentar a dependência da importação de componentes eletrônicos. Na contramão, Guedes e Bolsonaro decidiram fechar a Ceitec, única fábrica de semicondutores da América Latina

Divulgação/Mercedes
Divulgação/Mercedes
Sindicato afirma que demanda por caminhões está aquecida, e falta de componentes compromete a criação de empregos

São Paulo – A montadora Mercedes-Benz anunciou nesta segunda-feira (4) que vai suspender toda a produção de veículos e peças nas suas duas fábricas no Brasil. O motivo é a falta de componentes eletrônicos, principalmente de semicondutores. Assim, a empresa anunciou férias coletivas entre 18 de abril e 3 de maio para 5 mil funcionários das linhas de caminhões, ônibus e agregados da fábrica de São Bernardo do Campo (SP). Do mesmo modo, também ficarão parados 600 trabalhadores da plante de Juiz de Fora (MG), que são responsáveis pela montagem das cabines dos veículos.

No mês passado, a Mercedes colocou 1,2 mil trabalhadores em férias coletivas, também por problemas de fornecimento de peças. A suspensão durou 12 dias. A crise na cadeia global de equipamentos eletrônicos começou ainda durante a pandemia, mas se intensificou, no último mês, com a guerra na Ucrânia.

Em nota, a montadora informou que vem adotando “diversas alternativas junto à cadeia brasileira de suprimentos” para enfrentar “os desafios diários de abastecimento de peças”. Mas, para os metalúrgicos, essa é uma questão estratégica, e a busca por uma solução para o problema deveria incluir a participação do governo brasileiro.

Isso porque, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o setor de caminhões está com a demanda aquecida para esse ano, após um longo período de retração das atividades econômicas em razão da pandemia. E a falta de componentes coloca em risco a manutenção dos empregos. Como efeito imediato, suspensão de novas contratações, o que agrava o cenário de desemprego no país.

Desmonte

“Essas férias coletivas mostram a falta de planejamento por parte do governo federal, a falta de debate e investimento em novas tecnologias, ciências e inovação”, criticou o presidente da IndustriALL Brasil, Aroaldo Oliveira. “Esse é um debate antigo que vínhamos fazendo no Brasil, da necessidade de desenvolver (localmente) alguma parte da cadeia de valor de semicondutores. Mas o governo entrou e desmontou o que existia. Agora estamos reféns, mais do que nunca, dos semicondutores”.

Atualmente, o Brasil conta com uma fábrica estatal de semicondutores localizada no Rio Grande do Sul. O Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) foi fundada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2008. É a única planta do tipo em toda América Latina. No entanto, o Ministério da Economia anunciou no ano passado o fechamento da Ceitec, que entrou em fase de liquidação.

Em setembro do ano passo, no entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou suspender o fechamento da Ceitec. Além disso, parlamentares e trabalhadores da estatal apelam pela aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 558/20, do Senado, que susta os efeitos de liquidação da empresa.

Incertezas

Coordenador do comitê sindical na Mercedes, Sandro Vitoriano condenou a dependência do Brasil de fornecedores estrangeiros. Ele destacou que tal situação cria incertezas sobre a retomada da produção. “A Mercedes tem alegado que as empresas de fornecimento não vão conseguir atender a demanda da fábrica, principalmente com relação aos semicondutores. Com isso, todo o processo de produção ficará parado neste período. Novamente haverá interrupção dos processos de contratações. Nossa apreensão é como ficará o cenário no segundo semestre com tantas incertezas”, afirmou.