Combustíveis

Engenheiro da Petrobras desmonta ‘cinco falácias’ sobre a política de preços

Felipe Coutinho, vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet), explica por que preços estão desnecessariamente altos no Brasil

Divulgação/Petrobras
Divulgação/Petrobras
cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil tem sido exportado, enquanto os brasileiros sofrem com a alta dos combustíveis

São Paulo – A Petrobras passou a adotar a atual política de Preço de Paridade Internacional (PPI) a partir de outubro de 2016. Após o golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, a direção da estatal decidiu dolarizar os preços dos combustíveis no Brasil. De lá para cá, a gasolina já subiu 82,4% nos postos do país. Do mesmo modo, os preços do diesel e do gás de cozinha também aumentaram 93,2% e 85%, respectivamente.

Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) publicou artigo nesta segunda-feira (14) que desmonta os principais argumentos utilizados para política, que vem causando uma verdadeira explosão nos preços dos combustíveis.

O tema dos combustíveis voltou à ordem do dia desde a última quinta-feira (10), quando a Petrobras reajustou os preços praticados nas refinarias. A gasolina subiu 18,8%, passando de R$ 3,25 o litro para R$ 3,86. O diesel aumentou 24,9%, de R$ 3,61 para R$ 4,51. Do mesmo modo, o gás de cozinha (GLP) teve acréscimo de 16,1%, de R$ 3,86 para R$ 4,48 por quilo. 

Com o aumento da volatilidade do petróleo no mercado internacional, em função da guerra na Ucrânia, aumentou a pressão pela revogação do PPI. Ainda assim, há quem defenda. Isso porque essa política vem garantindo lucros extraordinários aos acionistas da estatal. Além disso, também atende aos interesses de centenas de empresas que passaram a atuar importando combustíveis. Estas já controlam cerca de 30% do mercado brasileiro.

Enquanto isso, a Petrobras reduziu a sua capacidade de refino, inclusive com a privatização de refinarias. Ao mesmo tempo, o Brasil se tornou exportador de petróleo cru, enquanto a população sofre com a alta dos combustíveis.

Assim, o vice-presidente da Aepet, Felipe Coutinho rebateu as cinco principais “falácias” utilizadas na defesa da atual política de preços da Petrobras. Confira:

1 – “O petróleo brasileiro é incompatível com nosso parque de refino. Logo, é necessário importar petróleo. E por isso o preço dos combustíveis têm que acompanhar o preço do petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar”

Esse argumento parte da premissa de que o petróleo produzido no Brasil tem alguma característica que impede seu processamento pelas refinarias nacionais. Ora se diz que é muito pesado, ou é leve, ou grosso (sic).

Em 2021 o Brasil produziu 2,9 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais 1,32 milhões foram para exportação (46% do total). A Petrobras produziu 2,21 milhões de barris por dia, sendo 76% do total produzido no país, dos quais 73% vieram do pré-sal. Desse modo, a Petrobras exportou 575 mil e importou 154 mil barris por dia.

O parque de refino da Petrobras processou 95% do petróleo nacional no 4º trimestre de 2020, em 2021 processou 92%. O que demonstra a compatibilidade entre a qualidade do petróleo e as refinarias brasileiras.

Existe petróleo brasileiro em qualidade e quantidade disponível e compatível com o parque de refino do país. A premissa é falsa e conduz a conclusão enganosa, trata-se de uma Falácia de Falsa Premissa.

2 – “O Brasil não tem capacidade de refino para atender nosso mercado de combustíveis, logo é necessário importar e se a Petrobras praticar preços inferiores aos de importação ninguém vai importá-los e haverá desabastecimento”

Para analisar esse argumento devemos recorrer ao desempenho histórico do parque integral de refino da Petrobras.

Gasolina

Em 2014 o Brasil produziu 181,6 milhões de barris de Gasolina A, equivalente a 248,8 milhões de barris de Gasolina C (com 27% de etanol anidro).

Em 2021, o mercado brasileiro de Gasolina C foi de 247,2 milhões de barris. Ou seja, existe capacidade instalada e provada de se produzir no Brasil a demanda pela Gasolina C de 2021.

Óleo Diesel

Em 2014 a produção foi de 312,4 milhões de barris de diesel no Brasil.

Em 2021, o mercado brasileiro de diesel de origem fóssil – descontada a fração de Biodiesel – foi de 343,4 milhões de barris. [5]

O 1º trem da RNEST (refinaria de Pernambuco) entrou em operação em dezembro de 2014, o que aumenta significativamente a capacidade de refino e produção de óleo diesel. Em 2016, a RNEST produziu 22,2 milhões de barris de diesel. Sua capacidade instalada para a produção de diesel é de 27,4 milhões de barris por ano. Somada sua capacidade instalada ao que se produziu no parque de refino da Petrobras em 2014, antes de sua entrada em operação, pode se alcançar 339,8 milhões de barris por ano (99% do óleo diesel vendido em 2021 no Brasil). [4]

O 2º trem da RNEST que pode dobrar sua produção do diesel e demais combustíveis está em fase avançada de construção que pode terminar em prazo relativamente curto, mas a implantação está interrompida por decisão da direção da Petrobras.

A capacidade de produção nacional do óleo diesel é compatível com a demanda, caso exista a necessidade de importação seria residual.
O argumento pressupõe que não há capacidade de refino para atender nosso mercado, o que os resultados históricos demonstram que não é verdade para a gasolina e, no caso do diesel, a necessidade de importação é residual em comparação com o que pode ser produzido aqui. A premissa é falsa para a gasolina e pouco relevante para o diesel.

Desabastecimento?

Depois se conclui que por, supostamente, existir a necessidade de importar, caso a Petrobras não pratique o PPI, haverá desabastecimento. Ocorre que a Petrobras não adotou o PPI desde sua criação, em 1953, até outubro de 2016 e não houve desabastecimento. O argumento não traz nenhum fato novo que justifique porque agora a consequência de não se adotar o PPI seria diferente.

A Petrobras ao praticar preços inferiores ao PPI tende a recuperar o mercado e, caso haja necessidade, o volume residual pode ser importado por ela. Os custos médios e ponderados de produção e importação da Petrobras sempre foram menores que seus preços. É possível adotar política de preços competitivos, baseados nos custos e na paridade de exportação do combustível brasileiro e garantir alta lucratividade da Petrobras. [6]

O argumento inclui uma pressuposição não esclarecida como verdadeira, a premissa de que a Petrobras não poderia importar os volumes residuais de combustíveis que não pudessem ser produzidos no Brasil. Trata-se de uma Falácia da Pressuposição.

3 – “A Petrobras praticou preços inferiores aos de importação entre 2011 e 2014, essa prática trouxe prejuízos que quebraram (ou quase quebraram) a estatal. Por isso, não se pode praticar preços inferiores aos de importação para não quebrar a Petrobras”

A Petrobras praticou preços inferiores aos de importação na maior parte de sua história, inclusive entre 2011 e 2014. No entanto, a Petrobras nunca esteve quebrada, ou próxima de quebrar, por causa disso.

A estatal é uma grande geradora de caixa. Em 2011, foram US$ 43 bilhões, entre 2012 e 2017, a geração se manteve estável entre 25 e US$ 33 bilhões por ano. Da mesma forma, entre 2018 e 2020, variou entre 28 e US$ 33 bilhões, em valores atualizados.

Também neste período nos quais praticou preços relativamente baixos (2011-2014) manteve enormes reservas em caixa, entre 13,5 e US$ 25 bilhões, em valores nominais, superiores às multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5. [6]

Uma empresa com essa capacidade de geração de caixa, disponibilidade vultosa de reservas e que sempre contou com acesso a crédito abundante nos mercados nacional e internacional (recursos de terceiros para investimentos e administração da dívida) não pode ser caracterizada como falimentar. Trata-se de mais uma Falácia de Falsa Premissa.

4 – “A Petrobras deve maximizar seu lucro. O Preço de Paridade de Importação (PPI) aumenta o lucro, logo, deve ser praticado”

O objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobras, não é a obtenção de lucro, muito menos aquele lucro não recorrente e de curto prazo, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada.

Não há nenhum sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas). A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”. Mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado. [7]

Temos aqui mais uma falsa premissa, a de que a Petrobras deve maximizar seu lucro.

Prejuízos coletivos

Contudo, a política de preços altos e vinculados à variação do preço do petróleo e do câmbio, inaugurada em 2016, prejudicou tanto a Petrobras, quanto o consumidor brasileiro. O diesel caro da estatal encalhou nas refinarias. Assim ela perdeu mercado e receita de vendas com a ocupação de até 30% do mercado brasileiro pela cadeia de importação que é multinacional e estrangeira.

Sem conseguir escoar a produção de diesel, as refinarias da Petrobras precisaram limitar a carga de petróleo e se tornaram ociosas, em até 30%. Ganharam os refinadores dos EUA, os operadores de logística “traders” estrangeiros e as distribuidoras concorrentes da Petrobras que operaram, lucrativamente e com baixo risco, na importação de diesel. Assim como, os produtores de etanol que tomaram o mercado da gasolina cara.

Assim, se pode concluir que preços mais altos, como os que têm sido praticados a partir da adoção do PPI, não necessariamente trazem maiores lucros, em consequência da perda do mercado.

Aqui temos, assim, uma combinação de duas Falácias de Falsas Premissas: a de que a Petrobras deve maximizar seu lucro e a de que o PPI necessariamente o eleva, resultando na conclusão enganosa de que o PPI deve ser adotado pela direção da Petrobras.

5 – “A Petrobras tem o monopólio do refino no Brasil, por isso não há competição e os preços são altos. A solução é privatizar suas refinarias”

Desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, a Petrobras não é mais a executora única do monopólio da União nas atividades de refino no Brasil.Existem outras refinarias operando no País, que podem ampliar sua capacidade, e qualquer outra empresa estatal ou privada pode exercer atividades de refino, de acordo com seu apetite de assumir riscos de investimento, assim como a Petrobras fez, com objetivo de atender ao crescimento do mercado brasileiro de derivados, desde que autorizada pela União.

O mercado brasileiro do refino é aberto e competitivo, faz parte da bacia do Atlântico, como demonstra a invasão do mercado pelo diesel e a gasolina produzidos nos EUA, como resultado dos preços relativamente altos praticados pela Petrobras.

No entanto, mais uma vez o argumento apela para uma pressuposição falsa de que a Petrobras tem “monopólio do refino”, se referindo ao monopólio da venda de combustíveis de origem fóssil. Depois conclui que o fim do “monopólio” traria a competição e preços menores, mas ocorre que quando a Petrobras pratica preços menores, a lucratividade dos importadores cai, se reduz a importação e a competição. Logo, para que exista maior competição é preciso que a Petrobras pratique preços altos, o contrário da relação de causalidade do que se alega com o argumento.

Então existe uma inversão de causalidade e uma inversão no sentido da correlação. O suposto fim do monopólio não traz a competição e a redução dos preços. Não existe monopólio e a redução dos preços praticados pela Petrobras é que reduz a importação e a competição. Temos a Falácia da Falsa Premissa, a Falácia da Inversão de Causa e Efeito, combinada com a Falácia da Causa Complexa.

Conclusão

O Brasil tem capacidade de produzir e refinar o seu petróleo no país. Mas a política de preços tem promovido a importação de combustíveis e a exportação de petróleo cru. Nesse sentido, cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil tem sido exportado, em grande medida por multinacionais estrangeiras. Enquanto isso, até 30% do mercado de combustíveis está ocupado por importados, na maior parte dos Estados Unidos, com ociosidade proporcional do parque de refino brasileiro.

Assim, preços desnecessariamente altos, exportação crescente de petróleo cru, importação de derivados e ociosidade das refinarias brasileiras, são consequências do Preço de Paridade de Importação (PPI), política de preços inédita e arbitrariamente adotada pelas direções da Petrobrás desde outubro de 2016. Além disso, são decisões de responsabilidade do Presidente da República que podem e devem ser revertidas para o bem do Brasil.