"Eu não venderia"

TCU avaliza privatização da Eletrobras, apesar de ‘erros gigantescos’

“Agora, o famoso mercado está com os olhos brilhando”, disse o ministro Vital do Rêgo

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São Paulo – Apesar de “erros de cálculo gigantescos” apontados pelo revisor e de dois ministros afirmarem que não venderiam a empresa, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu nesta terça-feira (15), por 6 a 1, seu aval aos valores da desestatização do sistema Eletrobras, como queria o governo. O modelo de venda ainda está em análise. Para o ministro Vital do Rêgo, o valor de venda da companhia deveria ser duas vezes maior do que o previsto na transação. Ou dos aprovados R$ 67 bilhões para R$ 130 bilhões.

Do lado de fora, houve manifestação de trabalhadores contra a privatização. A Federação Nacional dos Urbanitários (FNU-CUT) divulgou carta aberta aos ministros do TCU. Dois deles não votaram: a presidenta do tribunal, Ana Arraes, e o “estreante” Antonio Anastasia.

Segundo Vital do Rêgo, é um erro crasso considerar apenas valores estimados de energia, excluído os de potência das usinas do sistema. O relator, Aroldo Cedraz, sugeriu apenas incluir uma recomendação no sentido de considerar a potência em novos contratos, argumentando que não há ainda uma regra clara a esse respeito. “Recomendação é história pra inglês ver. Se não colocar determinação, e mantiver recomendação, pra mim não tem nenhum sentido”, contestou Rêgo. “Separar (energia e potência) é fazer a festa da iniciativa privada”, disse quase ao final da sessão, encerrada às 19h07 pelo vice-presidente, Bruno Dantas. “Agora, o famoso mercado está com os olhos brilhando.”

O mercado regula

O revisor do processo sobre a Eletrobras também reagiu a comentário de outro ministro do TCU, Benjamin Zymler, de que costuma haver confiança de que o “mercado” resolverá as questões. Ao mesmo tempo, Zymler admitiu que não se tratava de um “processo comum de concessão de serviços públicos”. “O mercado regula lá na capitalização”, disse Vital do Rêgo. “Aqui no VAC (valor adicionado aos contratos) o mercado ri.”

Segundo ele, a subavaliação do VAC seria de R$ 63 bilhões. Segundo suas estimativas, o valor da outorga passaria de R$ 23,2 bilhões para R$ 57,2 bilhões, enquanto repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) iriam de R$ 29,8 bilhões para R$ 63,7 bilhões. A maior parte da diferença refere-se à não inclusão da chamada precificação da potências das usinas. “Um erro absurdo, crasso”, disse o ministro, referindo-se também ao fato de o governo não ter considerado devidamente o risco hidrológico dos próximos anos.

O modelo aprovado, acrescentou o ministro, pode ter consequências negativas para o consumidor. ” Sabemos que o brasileiro sofre hoje com as consequências de ter de pagar pela segunda tarifa de energia mais cara do planeta, segundo dados da agência internacional afeta ao tema. Levar adiante a desestatização da Eletrobras no formato eivado de falha técnicas, aqui detalhadamente demonstradas, significará grandes possibilidades de passarmos a ocupar o primeiro posto nesse nefasto ranking”, afirmou.

“Eu não venderia”

Dois ministros, embora discordassem do revisor, chegaram a dizer que não venderiam a empresa nos termos propostos. “Ainda não está no nível de maturidade adequado das contas para a privatização da Eletrobras. Se a Eletrobras fosse minha, eu não a privatizaria com essas contas. E não falei do impacto tarifário”, declarou Zymler, acompanhado por Jorge Oliveira pouco depois.

Do lado de fora, protestos contra a venda da estatal (Reprodução Twitter)

O decano do TCU, Walton Alencar Rodrigues, afirmou que o sistema Eletrobras entrega resultados “extremamente desastrosos”. Para ele, um aumento de valor afugentaria invetidores e reduziria o valor das ações. O ministro disse ainda que o objetivo é conseguir investimento para eliminar o risco de falta e energia “para os setores produtores nacionais”. Não falou sobre consumidores físicos.

“Reforço que não se está aqui a defender que a decisão pela desestatização da Eletrobras seja revogada”, disse Vital do Rêgo. “O que se exige é que o processo esteja suportado em parâmetros consistentes que garantam a higidez do modelo escolhido, e, principalmente, assegurem o interesse do titular do patrimônio público a ser desestatizado – a sociedade brasileira.”