Corda no pescoço

Alta do desemprego leva a recorde de endividamento das famílias

Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio revela que 76% das famílias brasileiras estão endividadas. E uma em cada 10 diz não ter condições de pagar seus débitos

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra que a cada 10 brasileiros, seis utilizam cartão de crédito. O percentual é maior que o da média de países ricos (51%)

São Paulo – Três em cada quatro famílias brasileiras (75,6%) estavam endividadas em dezembro, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) nesta terça-feira (18), trata-se do maior percentual registrado desde janeiro de 2010. Pelo menos um quarto das famílias (26,1%) estão com dívidas ou contas em atraso. E uma em cada 10 diz não ter condições de pagar seus débitos.

Segundo o levantamento, 14,8% das famílias estão “muito endividadas”. Outros 27,3%, “mais ou menos endividadas”, enquanto as “pouco endividados” são 33,5%. Apenas 24,4% afirmam que não estão endividados em nenhum nível.

Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os dados não surpreendem. São os resultado de cinco anos de baixo crescimento econômico, somado aos índices recordes de desemprego ao longo do ano passado. Além disso, a alta da inflação durante a pandemia comprometeu ainda mais a renda das famílias. Por fim, a elevação da taxa de juros (a Selic) no último ano agrava ainda mais esse quadro, tornando as dívidas quase impagáveis para as famílias mais pobres.

“É muito elevado o nível de desemprego. Quando a gente considera os desalentados, que já desistiram de procurar emprego, e os subocupados, que estão trabalhando menos do que gostariam, é evidente que a perda do poder de compra do salário médio – a massa salarial – caiu bastante”, disse Roncaglia.

A queda na renda é confrontada pela “brutal” inflação de itens básicos, como combustíveis, energia elétrica e alimentos. Cabe lembrar que os dois primeiros constituem preços administrados, estabelecidos pelo governo. Mas que acabam tendo impacto disseminado por toda a cadeia produtiva.

Juros

Para conter a alta dos preços, a resposta do Banco Central foi elevar os juros. O que acaba atngindo ainda mais as famílias endividadas. A taxa básica de juros subiu de 2% ao ano, em janeiro, para os atuais 9,75%. Contudo, como as principais altas não decorrem do aumento da demanda, os juros altos acabam não resolvendo o problema. Mas, como resultado, os bancos subiram também os juros cobrados nos empréstimos ao consumidor. No crédito rotativo (cartão de crédito), por exemplo, os juros cobrados alcançam a “monstruosa” taxa de 430% ao ano.

“Quando o juro é muito elevado, e a inadimplência é persistente, a tendência é que a dívida cresça praticamente sozinha. Então se a renda da família não aumentar, a relação da dívida sobre a renda tende a crescer de maneira orgânica. A depender da taxa de juros, pode crescer de forma exponencial”, alertou o economista. Ainda em outubro, Roncaglia já avisava que a escalada da Selic seria um “‘tiro no pé’ numa economia já combalida”.

Dois pesos

Roncaglia lembrou ainda do endividamento das empresas e do tratamento desigual recebido da parte do governo Bolsonaro. Enquanto as grandes e médias empresas puderam refinanciar suas dívidas no ano passado, o presidente vetou o Refis do Simples, voltado para micro e pequenas empresas.

“As pequenas e microempresas são aquelas que efetivamente empregam a maior parte da força de trabalho. E não vão ter direito de reorganizar suas dívidas tributárias. Então, isso também tende a dificultar a criação do emprego e a retomada da massa salarial.”


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