Desprezo à soberania

Petrobras vai pagar R$ 361 milhões para empresa canadense ‘comprar’ usina de xisto

Para vender única usina que explora xisto no país, Petrobras vai repassar fortuna em royalties para a F&M Resources. SIX, no Paraná, deu lucro estimado de R$ 200 milhões em 2020

Reprodução / Petrobras
Reprodução / Petrobras
Usina de xisto que será entregue a canadenses conta com o maior parque tecnológico da América Latina

CUT – Apesar de ser a única empresa que explora o xisto no Brasil, a Petrobras decidiu vender, ou na prática pagar para entregar, a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), de São Mateus do Sul, no Paraná. A usina será vendida para F&M Resources, subsidiária integral da canadense Forbes & Manhattan.

É disso que trata a decisão tomada pelo Conselho de Administração (CA) da estatal. A reunião realizada na quinta-feira (11) chama a negociação de privatização. Mas na verdade vai pagar para entregar o patrimônio dos brasileiros a grupos internacionais, como explica a Federação Única dos Petroleiros (FUP).

A conta é simples. De acordo com o coordenador-geral da Fup, Deyvid Bacelar, o preço anunciado para a venda da SIX para os canadenses ontem foi de US$ 33 milhões. O equivalente a R$ 178,8 milhões. Já o acordo que a Petrobras firmou com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Combustíveis (ANP) prevê pagamento de royalties de R$ 540 milhões. Ou cerca de US$ 100 milhões.

Petroleiros articulam greve nacional contra a privatização da Petrobras

“Vamos aos cálculos”, sugere o petroleiro Roni Barbosa, secretário de Comunicação da CUT Nacional: “R$ 540 milhões menos R$ 178,8 milhões = R$ 361,2 milhões. A Petrobras está pagando R$ 361,2 milhões para os canadenses ficarem com a usina de xisto. A Petrobras não, a sociedade brasileira”, ressalta o dirigente, indignado com a mais do que estranha transação. Junto com os sindicatos filiados, a FUP avisa que vai lutar para impedir a privatização da SIX.  

Lucro vai embora

De acordo com Roni Barbosa, as informações são de que a usina deu mais de R$ 200 milhões de lucro no ano passado. “Eles vão vender por menos de um ano de lucro. Olha o absurdo!”, reforça o dirigente. “Este é mais um ativo do povo brasileiro liquidado a preço de banana”, complementou Bacelar, em entrevista ao Estadão.

O Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR/SC), divulgou nota por meio da qual classifica a venda como “mais um crime de lesa-pátria da gestão bolsonarista da Petrobras”.

“A sanha do governo e gestores da direção da estatal em destruir a empresa é tão grande que o valor da venda da SIX não chega à metade do que a Petrobras vai desembolsar no acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para sanar as dívidas relativas ao não recolhimento de royalties sobre as atividades de lavra do xisto durante o período entre 2002 e 2012”, informa trecho do comunicado.

“Nada está decidido e a luta contra a privatização continua”, segue a nota. “Apesar do anúncio, a venda da SIX não foi concretizada e a luta contra essa entrega do patrimônio nacional vai continuar.”

Só absurdos

O Sindipetro PR/SC destaca que ainda há um longo caminho até o fechamento definitivo do negócio. “E o Sindicato, junto com toda a categoria petroleira, atuará em todas as frentes de batalha para impedir que a história da usina do xisto seja interrompida nos seus 67 anos.”

Os petroleiros denunciam que, além do preço subestimado, o contrato firmado com os canadenses obriga a Petrobras a comprar toda a nafta de xisto produzida na unidade por 15 anos. Além disso, enviar todo o lastro (borra de tanques de refinarias) para processamento na SIX por 12 anos. E ainda assumir o passivo ambiental identificado, denuncia o Sindipetro PR/SC.

Os dirigentes sindicais lembram que a mina foi cedida em comodato. Ou seja, depois de 2034 a Petrobras assumirá o passivo ambiental remanescente. Os absurdos não param por aí. O contrato ainda obriga a companhia a alugar a planta de pesquisa da unidade.  

Por que votei contra

“Votei contra”, diz a engenheira e geofísica sênior, Rosangela Buzanelli Torres, que representa os trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobras. “É uma unidade lucrativa, com grande potencial de agregar valor na cadeia produtiva e que presta importantes serviços à companhia, beneficiando toda a região de São Mateus e o estado do Paraná”, afirma a trabalhadora petroleira em texto em que explica a razão do seu voto contrário à venda da usina de xisto.

“Além de lavrar e produzir óleo e gás de xisto, com tecnologia própria (Petrosix) e cobiçada por algumas empresas, a SIX também montou laboratórios de pesquisa e desenvolvimento”, detalha a engenheira. “Passou a tratar as borras oleosas geradas no nosso parque de refino em geral e a produzir alguns derivados, em sinergia com a Repar. Atualmente, a usina de xisto conta com o maior parque tecnológico da América Latina”, explica.

Liquidação de refinarias

Esta é a terceira refinaria vendida pela Petrobras, de um total de oito colocadas à venda a partir de 2019, primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro. A estatal tem até o final deste ano para vender os outros cinco ativos de refino. Porém, pela falta de tempo, deverá pedir extensão de prazo ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão determinou a venda das unidades com o objetivo de quebrar o monopólio da estatal no setor, segundo reportagem do Estadão.

A venda da SIX, diz o jornal, foi anunciada pela Petrobras dois dias depois de uma audiência pública promovida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A reunião discutiu o recolhimento de royalties pela produção de petróleo e gás proveniente de xisto, que não faz parte da lei que abriu o setor de petróleo em 1997.

 Após inúmeras discussões técnicas com a ANP, a estatal confirmou o interesse em encerrar as pendências com o pagamento parcelado de R$ 559 milhões (a ser atualizado até a assinatura do acordo). E a celebração de um contrato de concessão, com alíquota de royalties de 5%. O valor é a metade da dívida da companhia, o que também foi contestado pela FUP e outros sindicatos.


Com edição da Redação RBA