Desigualdade em pauta

Defendida por Lula, taxação de transações financeiras internacionais contribuiria para o fim da pobreza

Para economista da Unicamp, governança global democrática deve passar pela tributação das grandes companhias que estão tendo resultados mais resultados lucrativos nos últimos anos. Ideia da criação de um imposto global foi apresentada pelo ex-presidente em passagem pela Europa

Ricardo Stuckert/IL
Ricardo Stuckert/IL
A medida foi apresentada por Lula, na última terça-feira (16), em palestra no Instituto de Estudos Políticas de Paris, a SciencesPo, uma das instituições mais respeitadas do mundo na área de ciência política

São Paulo – Para o professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia, pesquisador do Centro de Estudo de Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), é correto o diagnóstico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o enfrentamento da pobreza e da desigualdade no planeta deve passar pela tributação de transações financeiras internacionais. Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o economista defendeu a proposta de criação de um imposto global. A medida foi apresentada por Lula, na última terça-feira (16), em palestra no Instituto de Estudos Políticas de Paris, a Sciences Po, uma das instituições mais respeitadas do mundo na área de ciência política e social. 

De acordo com ele, a taxação desses fluxos ajudaria a formar um fundo de combate à miséria sobretudo nos países subdesenvolvidos. A iniciativa foi apontada pelo ex-presidente como uma “nova governança global democrática”. 

“Até quando a ganância dos ricos, o isolacionismo dos governos e o individualismo vão prevalecer sobre os interesses do planeta e da humanidade?”, questionou o petista. “Estamos falando da responsabilidade dos Estados nacionais e da recuperação do papel da política, em seu mais elevado sentido, para enfrentarmos juntos e coordenadamente o desafio da desigualdade. O atraso, a pobreza e a fome não são mandamentos divinos. São o resultado do que fazemos ou deixamos de fazer neste mundo”, acrescentou. 

Um debate de décadas

A sugestão de Lula retoma um debate pautado por ele 18 anos atrás, durante sua participação no Fórum Econômico Mundial em Davos, em 2003. Já à época, o então presidente do Brasil defendia a ideia partindo da criação de um fundo que viesse a financiar a atividade de combate à pobreza. A proposta levava em conta estudos da década de 1970, do economista estadunidense James Tobin, que levanta a ideia de regulação do sistema financeiro estabelecida a partir de uma tributação. A iniciativa, conhecida como “Taxa Tobin“, também era constantemente pautada em debates do Fórum Social Mundial. Os movimentos sociais defendiam que, mesmo que fosse aplicado um imposto muito baixo, a taxação acabaria freando os fluxos especulativos de curto prazo. 

O tema ganhou urgência durante a crise financeira internacional em 2008, mas mesmo assim, pouco avançou. Segundo Pochmann, a resistência à proposta é semelhante às barreiras que há no Brasil para a tributação de grandes fortunas. “Tendo em vista que os ricos não estão de acordo, digamos, de compartilhar uma parte de seus ganhos com objetivo de amenizar a gravidade na qual nos encontramos”, critica o economista. Por outro lado, aponta ele, o atual contexto de crise sanitária global dá à medida um sentido de urgência. 

Resultados da taxação

Pochmann também avalia que as discussões podem ser favorecidas por conta da criação de um imposto global de até 15% sobre o lucro de empresas multinacionais. A tributação foi aprovada em junho deste ano pelo G7, o grupo de países com as maiores economias do mundo e, em outubro, foi ratificada pelo G20. A estimativa é que os recursos, que devem começar a ser arrecadados em 2023, fiquem em torno de US$ 140 bilhões. O que daria ao Brasil, segundo essa estimativa, cerca de R$ 6 bilhões. A proposta de Lula, porém, dá um passo adiante, já que este seria um imposto sobre as transações internacionais, e não apenas sobre o lucro das multinacionais, neste caso, limitado às companhias com receita anual superior a ​​€ 750 mil. 

“É muito importante que o presidente Lula traga novamente esta perspectiva. Os fluxos financeiros internacionais praticamente controlam a política no mundo e impõem uma diferenciação e riqueza acentuadas. Seria uma pequena contribuição, uma taxação desses fluxos que ajudariam a formar um fundo de enfrentamento da pobreza”, explica Pochmann. “A pandemia demonstrou a incapacidade dos governos de tributarem localmente.”

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção