Copom

Alta dos juros é ‘tiro no pé’ numa economia já combalida, diz economista

André Roncaglia (Unifesp) critica decisão do Copom que encarece investimentos e aumenta os custos de financiamento da dívida pública

Rovena Rosa/Agência Brasil
Rovena Rosa/Agência Brasil
Alta da Selic é vantajosa apenas para os investidores do mercado financeiro

São Paulo – Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador associado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a elevação de 1,50 ponto percentual na taxa básica de juros, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), ontem (27), é “um tiro no pé” em uma economia já combalida.

Segundo ele, a maior taxa Selic desde 2017, fixada em 7,75% ao ano, não vai ser capaz de conter a inflação. Por outro lado, dificulta a retomada do emprego, já que encarece os investimentos. Além disso, os juros mais altos impõem um custo ainda maior para a rolagem da dívida pública.

Este movimento da política monetária, de acordo com o economista, serve principalmente para resgatar a rentabilidade dos ativos do mercado acionário, resguardando os interesses da “turma da bufunfa”.

“O resultado vai ser uma economia mais anêmica por mais tempo, com níveis de desemprego que não vão cair tão rápido. Do ponto de vista social e econômico, não tem como dar certo”, disse Roncaglia, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (28).

Remédio sem eficácia

O economista destaca que a elevação da Selic serve para conter a alta dos preços somente em caso de inflação de demanda – quando a procura por produtos é maior do que a capacidade de produção. Não é o que vem acontecendo atualmente. A escalada da inflação nesse momento tem a ver, essencialmente, com a elevação de preços administrados – como combustíveis e energia elétrica. Além da alta dos preços dos alimentos, relacionada com desequilíbrios no mercado internacional.

“Se você sobe o juro, num país como o nosso, está literalmente matando o investimento, que poderia melhorar o nível de emprego. Não vai fazer chover onde tem que chover, nem vai diminuir o preço das commodities no mercado internacional. E não vai trazer uma iluminação para que a Petrobras mude a política de preços para algo mais suave. E, fundamentalmente, não vai fazer com que alimentos brotem do chão. A taxa Selic não tem esse poder.”

Além disso, essa subida de 1,50 ponto percentual na Selic deve custar cerca de R$ 47 bilhões por ano aos cofres públicos. Isso porque a remuneração dos títulos da dívida pública é atrelada à taxa básica de juros. Contudo, esses gastos financeiros não estão submetidos ao teto de gastos, podendo ser ampliados livremente, de modo a atender os interesses do mercado financeiro.

Na opinião de Roncaglia, para conter a inflação, seria mais eficiente mudar a política de preços da Petrobras. Ou, ainda, retomar os estoques regulatórios de alimentos, atribuição da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que foi esvaziada pelo atual governo.

Independente de quem?

Para destacar as relações privilegiadas com o mercado financeiro, Roncaglia citou o vazamento do áudio em que o dono do banco BTG Pactual, André Esteves, se vangloria de ter sido consultado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre os limites para a redução na taxa de juros. “A gente vê que o BC se tornou autônomo em relação à sociedade, mas não em relação ao sistema financeiro.”

Trata-se de um setor que, segundo o economista, responde por cerca de 10% da economia brasileira, e não pela sua totalidade. Num momento de crise, como o atual, caberia à autoridade monetária dialogar com os demais setores sociais a fim de definir a melhor política para garantir a preservação da moeda. “Quando viram os líderes do MST sentarem com o presidente do BC? Quando viram as centrais sindicais?”, provocou.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira