Foco na boiada

Fiesp e Febraban não pretendem pular do barco de Bolsonaro, por enquanto

Desembarque só ocorrerá quando encontrarem um novo barco, que atenda seus interesses. Enquanto procuram uma “terceira via”, avanço de reformas neoliberais

Isac Nóbrega/PR
Isac Nóbrega/PR
À espera de um novo barco: Paulo Skaf, presidente da Fiesp, é aliado de Bolsonaro de primeira hora

São Paulo – O pretenso “desembarque” da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) do governo Bolsonaro é irreal. Assim como o propalado manifesto por pacificação entre poderes, da Fiesp de Paulo Skaf, pouco significa, a não ser uma de “vamos parar de turbulências”. A opinião é do economista Guilherme Mello, da Unicamp. A própria Febraban divulgou uma nota nesta segunda-feira (30) na qual esclarece que “não participou da elaboração de texto que contivesse ataques ao governo ou oposição à atual política econômica”.

A entidade explica que “o conteúdo do manifesto pedia serenidade, harmonia e colaboração entre os Poderes da República e alertava para os efeitos do clima institucional nas expectativas dos agentes econômicos e no ritmo da atividade”. Empresários do chamado “PIB brasileiro” ligados à Fiesp publicariam nos principais jornais do país, esta semana, um manifesto em defesa da harmonia o país, com a adesão de cerca de 200 assinaturas. Skaf adiou a divulgação para depois do 7 de setembro, data em que serão realizadas manifestações pró e contra Jair Bolsonaro, dizendo que pretende dobrar o número de assinaturas. Mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo de Jair Bolsonaro, já havia antecipado o adiamento.

No documento, a Fiesp diz que “o momento exige do Legislativo, do Executivo e do Judiciário aproximação e cooperação”, mas não menciona o chefe do governo e nem explica que ele é o único que promove o confronto, ataca poderes e autoridades e desestabiliza o país.

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Mercado quer foco nas reformas

Febraban e Fiesp apoiam a pauta do ministro da Economia, Paulo Guedes. mas estão preocupados com a desaceleração da agenda neoliberal. A preocupação é basicamente apenas essa, na avaliação de Mello. “Para eles, o foco está disperso por causa de pautas que não lhes dizem respeito, seja voto impresso, seja briga com STF. Além de travar a pauta de privatização, reforma administrativa e outras, esse clima gera incertezas que podem prejudicar os interesses do mercado financeiro e de empresas”, avalia. “A reclamação deles é sobre foco, e não direção, já que, para eles, tirando uma crítica aqui, outra ali, a agenda está certa e o barco vai na direção das reformas.”

Para o professor, o capital – Febraban e boa parte da “grande burguesia” –não indicam real intenção de desembarcar no navio bolsonarista. Até porque, para a rentabilidade do capital, a coisa vai bem. Isso apesar da pandemia, da crise industrial e do desemprego galopante, que atinge quase 15 milhões de pessoas no país. Os lucros de Bradesco, Banco do Brasil, Itaú e Santander chegaram a R$ 22,1 bilhões no segundo trimestre deste ano, com aumento de 63,6% na comparação com o mesmo período do ano passado.

As expectativas dos exportadores, principalmente do agronegócio, também estão longe de ser desanimadoras, considerando o impressionante crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China, de 7,9% no segundo trimestre sobre o mesmo período de 2020. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as exportações do agronegócio cresceram 20,9% no primeiro semestre de 2021.

À procura de um barco

“Depois de 600 mil mortos na pandemia, inflação beirando a 10%, fome, miséria, desemprego, o máximo que conseguem é um manifesto pela ‘pacificação’. Aliás, nem citam o nome Bolsonaro nem cogitam impeachment. O desembarque só vai ocorrer quando eles encontrarem um novo barco, viável, e que atenda seus interesses. Estão procurando a terceira via, mas ainda não encontraram”, opina Mello. “A estratégia parece ser a de cozinhar Bolsonaro em banho-maria até as eleições.”

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Desse modo, um impeachment não faz parte dos planos, pelo menos por enquanto, o que Arthur Lira expressa inequivocamente. “Imagine então a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, então. Seria algo terrível para esses interesses. Esse cenário fortaleceria a esquerda, poderia antecipar eleições com Lula liderando… O que eles precisam é de tempo para construir a terceira via”, acredita o professor da Unicamp. “Para ter esse tempo, precisam de paz e menos bagunça. Enfim, continuar com uma reforma ou outra, como privatização da Eletrobras, dos Correios. E, assim, ver em que qual navio embarcam no ano que vem”.


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