Independente de quem?

Elevação da Selic foi ‘decisão política’ do BC para atender a ‘Faria Lima’, avalia economista

Economista André Roncaglia (Unifesp) explica que elevação da taxa básica de juros não deve servir para conter a inflação, nem atrair investimentos. Ao contrário, pode produzir mais estagnação e desemprego ao longo de 2021

Carlos Amoroso/FotosPublicas
Carlos Amoroso/FotosPublicas
Apartada da realidade brasileira, região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, concentra os principais bancos de investimentos do país

São Paulo – Superando as expectativas do mercado financeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros, a Selic, em 0,75 ponto percentual. Contudo, a nova taxa de 2,75%, ao ano, fixada nesta quarta-feira (17), não deve causar o efeito pretendido de reduzir a inflação. Também deve ter impacto reduzido na atração de investimentos estrangeiros, dadas as incertezas internas agravadas pelo desastroso desempenho do governo Bolsonaro no combate à pandemia.

O resultado efetivo, de acordo com o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), deve ser uma piora ainda maior da crise econômica, com o agravamento do desemprego. Segundo ele, tratou-se de uma “decisão política” da autoridade monetária, para favorecer os investidores do “condado da Faria Lima”.

“A própria equipe econômica do governo já reconheceu que o primeiro trimestre de 2021 vai ser de queda da atividade. Dados do varejo apontam desaceleração ou queda. Foi, portanto, uma comunicação estranha. O que evidencia que o BC tomou uma decisão política. E não uma decisão técnica, como normalmente se argumenta em favor da autonomia do BC”, afirmou o economista, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta quinta-feira (18).

Especulação

Para ele, o principal motivo para a elevação da Selic foi buscar corrigir as expectativas dos agentes do mercado com relação à inflação prevista para o final de 2022. Com a inflação projetada podendo atingir a casa dos 5,3% até o final do ano, a Selic fixada em 2% ao ano impunha perdas aos investidores.

“Basicamente o que BC fez ontem foi atender aos interesses do acionista minoritário do país, que é a Faria Lima, em sacrifício de grande parte da sociedade, que não vai receber um auxílio emergencial digno. O efeito dos juros, no curto prazo, vai ser aumentar o desemprego, que já está ultrapassando a casa das 20 milhões de pessoas”, avaliou o economista. “É uma decisão que me parece política, e vai custar muito caro para a sociedade. Apenas para garantir a rentabilidade financeira de um punhado de pessoas que têm a riqueza do país”, acrescentou .

Nesse sentido, as perspectivas do BC, que sinalizou para um novo aumento equivalente na próxima reunião do Copom em maio, de acordo com Roncaglia, é elevar a Selic para algo em torno de 4,5% a 6%. A depender do comportamento da economia real, em função do agravamento da pandemia.

“No condado da Faria Lima, aquela realidade paralela divorciada dos reais desafios da vida cotidiana, esse pessoal olha e vê que está perdendo dinheiro. Historicamente, o BC operava com taxas de juros muito elevadas, que cobriam além da inflação. Desde 2015, a taxa Selic vem caindo. Com a pandemia, a taxa de juros mergulhou. O resultado é que esses ativos estão rendendo menos”, explicou o economista.

Consequências

“A economia vai andar mais devagar. Os investimentos não vão ocorrer, por causa da pandemia. E essa elevação de juros não vai se traduzir na correção dos nossos maiores problemas: a desaceleração do PIB e o desemprego monumental. Ou seja, vai agravar esses problemas”, declarou Roncaglia. Como ele havia antecipado, os preços não vão ceder, pois as altas se devem a “choques de oferta”, e não de demanda.

Além disso, o cenário “catastrófico” para 2021 ainda vai ser agravado por conta da redução do novo auxílio emergencial. Em vez dos R$ 600 garantidos no ano passado, as novas parcelas do benefício devem ficar entre R$ 175 e R$ 350. O que não é suficiente, sequer, para adquirir uma cesta básica. Em São Paulo, por exemplo, a cesta básica de alimentos fechou o primeiro bimestre deste ano cotada em R$ 639,47, segundo cálculos do Dieese.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira