Contramão

Com privatização de refinarias, ‘Brasil pode virar uma Venezuela’

Economista alerta que a maioria dos países que são grandes produtores de petróleo tem buscado expandir seus parques de refino

Agência Petrobras/André Valentim
Agência Petrobras/André Valentim
Além do Brasil, entre os grandes produtores, apenas a Venezuela reduziu sua capacidade de refino nos últimos anos

São Paulo – O plano de desinvestimento que vem sendo traçado pela Petrobras nos últimos anos, com a venda de diversos ativos, vai na contramão das políticas adotadas pelos principais produtores mundiais de petróleo. Com o avanço da produção do pré-sal, o Brasil já figura como o décimo maior produtor mundial.

A Petrobras fechou 2020 com produção recorde de petróleo e gás natural, de 2,836 milhões de barris de óleo equivalente por dia, alta de 2,4% comparada ao ano anterior. Nesse sentido, assim como vem ocorrendo em outros países, o esforço deveria ser em ampliar o parque de refino nacional. Contudo, entre os “desinvestimentos” pretendidos pela direção da estatal estão a venda de oito das 13 refinarias espalhadas pelo território nacional.

No mês passado, a Refinaria Landulfo Alves (Rlam), na Bahia, foi vendida para a Mubadala Capital, fundo de investimentos de Abhu Dhabi, por US$ 1,65 bilhão. Outras três refinarias estariam em fase adiantada para também serem privatizadas.

De acordo com o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a Rlam foi vendida por menos de 50% do seu valor. Segundo cálculos do instituto, o valor de mercado da Rlam estaria entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões. Sua privatização, inclusive, foi um dos motivos para a deflagração da greve dos petroleiros.

Além do preço considerado aviltante, o desmantelamento do parque de refino deve tornar o Brasil ainda mais vulnerável à variação dos preços do petróleo no mercado internacional. Como consequência da política de Paridade de Preço Internacional (PPI), a Petrobras tem optado por importar derivados, reduzindo a capacidade de refino para privilegiar a exportação de petróleo bruto. O resultado é que os preços dos combustíveis no mercado interno dispararam desde o início do ano, também por causa da desvalorização do real.

Demanda interna

De acordo com o economista Cloviomar Cararine, da subseção do Dieese na Federação Única dos Petroleiros (FUP), o parque de refino da Petrobras tem capacidade para atender na íntegra a demanda interna por combustíveis. Em sua capacidade máxima, as 13 refinarias poderiam refinar cerca de 2,4 milhões de barris por dia. Já a demanda total do país estaria em torno de 2,3 milhões de barris. Contudo, as refinarias estariam operando com cerca de 76% da capacidade, com a diferença sendo compensada pela importação de derivados.

“Infelizmente, desde 2016 a Petrobras tem reduzido a sua capacidade de produção de combustíveis. No ano passado, por exemplo, ficou em 1,8 milhão de barris por dia, em torno de 76% da capacidade das refinarias. Tem a ver com a estratégia montada pela Petrobras, nesse momento recente, de reduzir o refino interno e aumentar as exportações”, destacou Cararine, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta semana.

Ele destaca que, tanto as grandes petrolíferas privadas anglo-americanas, como as estatais dos países nórdicos, do mundo árabe e também da China, tem buscado ampliar a sua capacidade de refino, concomitantemente ao aumento da exploração do petróleo. A única exceção entre os grandes produtores é a Venezuela.

“O Brasil está na contramão, neste momento, do que o mundo que produz petróleo vem fazendo. Estamos entre os 10 maiores produtores, e nenhum deles adota essa estratégia”, afirmou o economista. A principal consequência, segundo ele, será o contínuo aumento no preço dos combustíveis.

Caso venezuelano

Devido à crise interna e ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, a Venezuela não privatizou, mas vive um processo de sucateamento do seu parque de refino, reduzindo nos últimos anos a sua capacidade de produção de combustíveis. Além disso, os venezuelanos encontram dificuldades para importar o óleo leve necessário para misturar ao petróleo pesado produzido no país. No final do ano passado, por exemplo, o país foi socorrido pelo Irã, que mandou uma frota de navios carregados de diesel e gasolina.

“Há um certo receio do Brasil virar a Venezuela, mas estamos caminhando nesse sentido. É um país que tem cada vez mais reduzido o seu consumo de derivados para aumentar a exportação do petróleo. O preço do petróleo subiu um pouquinho e a Petrobras começou esse processo de exportação”, destacou Cararine. Segundo ele, em vez de se desfazer do seu parque de refino, o Brasil deveria fortalecê-lo ainda mais, com vistas a se tornar um exportador de derivados. E não apenas de óleo cru.

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