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Para TV Globo, política econômica é ‘obra do acaso’, diz economista

“Quando é para culpar o governo Dilma, eles vão com todas as letras, mas para falar da importância das políticas públicas, não falam”, afirma pesquisadora da Unicamp. ‘Esforço em fazer o PT desaparecer”, contesta Lula

Marcello Casal/Agência Brasil
Marcello Casal/Agência Brasil
85 milhões de brasileiros tiveram perdas sistemáticas em sua renda nos últimos cinco anos

São Paulo – Reportagem do programa Fantástico deste domingo (8) sobre a crise econômica brasileira provocou nota de contestação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira. A matéria “analisa” o aumento da pobreza no país nos últimos anos, mas descontextualiza as políticas públicas construídas nos governos de Lula e Dilma Rousseff. O Fantástico traçou o desenvolvimento da crise ignorando as políticas de inclusão a partir de 2003, quando o ex-presidente tomou posse, até o mandato de sua sucessora.

Segundo a reportagem, a população mais pobre do país começou a ascender socialmente nos anos 2000 e, em abril de 2010, havia uma “nova classe média brasileira”, formada por “27 milhões de novos cidadãos consumidores”.

O programa entrevistou personagens dessa população que “compravam geladeira nova” até que surgisse a crise e fossem devolvidos à pobreza ou miséria. “Mas aí chegou a crise. Era o governo Dilma Rousseff”, narra a reportagem do Fantástico.

“Obra do acaso”

“Quando o programa fala das melhorias dos anos 2000, mostra como se fosse obra do acaso, e não que foi consequência de políticas públicas para reduzir desigualdades. Isso está ausente da narrativa da reportagem”, diz Ana Luíza Matos de Oliveira, doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora-visitante da Flacso-Brasil. “Quando é para culpar o governo Dilma, eles vão com todas as letras, mas para falar da importância das políticas públicas, não falam. Esse aspecto chama bastante atenção”, critica a pesquisadora.

A matéria da Globo também ignora a enorme crise financeiro mundial deflagrada em 2008, cujo estopim foi a quebra do banco Lehman Brothers. O Brasil conseguiu superar as dificuldades com relativa tranquilidade graças à política chamada anticíclica implementada por Lula. Um dos pilares dessa política foram as medidas a partir dos bancos estatais, como a redução dos juros para o crédito, por parte da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, o que obrigou os bancos privados a fazerem o mesmo, impedindo a quebra de empresas e mantendo o consumo.

História recontada

“No futuro, as faculdades de jornalismo poderão estudar a reportagem do Fantástico deste domingo sobre o tema da desigualdade social no Brasil nas últimas décadas, como um exemplo de censura política”, diz Lula na nota. “Há de se reconhecer o esforço da Rede Globo em fazer o PT desaparecer e recontar a história do Brasil.”

A reportagem da TV Globo vai além: aborda a crise atual, que joga milhões na miséria, como se não fosse resultado de uma política econômica ultraliberal do governo golpista de Michel Temer e do atual governo de Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

A crise atual, potencializada pela pandemia de coronavírus, é agravada por opções como o teto de gastos, criado pela Emenda Constitucional 95, no governo Michel Temer, que impõe limites  a investimentos em áreas essenciais como educação e saúde.

“O governo atual agrava a crise econômica que já vinha do governo Temer”, observa Ana Luiza. Cortes de direitos, como os provocados pela reforma da Previdência e a reforma trabalhista, agravam a pobreza no país.

Segundo estudo do Banco Mundial, após 11 anos de redução continuada da pobreza nos governos Lula e Dilma Rousseff, 85 milhões de brasileiros (os 40% mais pobres) tiveram perdas sistemáticas em sua renda, nos últimos cinco anos. De 2003 a 2014, o Brasil avançou econômica e socialmente. Entre 25 e 30 milhões de pessoas deixaram a pobreza na época.

De 6ª a 11ª economia no mundo

No final de 2011, o Brasil ultrapassou a Grã-Bretanha e tornou-se a sexta maior economia do mundo, ao término do primeiro ano de mandato de Dilma Rousseff. Em 2019, primeiro ano de mandato de Bolsonaro, essa informação voltou a circular no país, distribuído em redes sociais, principalmente por WhatsApp, como fake news. A  notícia era verdadeira, mas foi divulgada novamente como se fosse de 2019, e não de oito anos antes, segundo matéria do portal UOL.

Agora em 2020, a Grã-Bretanha voltou a ultrapassar o Brasil, que hoje é a nona economia no mundo. Porém, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) preveem que o Brasil deve cair para o 11ª lugar e ficar atrás de Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

A crise econômica brasileira começou no período de turbulência que teve início em 2013, com as chamadas “manifestações de junho”, cresceram no ano seguinte, ano da Copa do Mundo no país e início da queda econômica, e chegaram ao auge em 2016, com o impeachment de Dilma.

Porém, Ana Luiza ressalva que é crítica de alguns aspectos da política econômica adotada por Dilma no início de seu segundo mandato, em 2015, que teve a nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda. “Não sou a favor daquela política econômica, mas ela está sendo cada vez mais aprofundada.”


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