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Governo faz retórica hostil, mas balança comercial aumentou dependência da China

De US$ 42 bilhões de superávit neste ano, quase US$ 29 bi vêm dos “comunistas”. Com os amigos americanos, Brasil tem déficit

Reprodução
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China é o principal comprador de produtos como soja, minério, petróleo, açúcar e carne

São Paulo – O governo bolsonarista já provocou tremores diplomáticos por atitudes hostis em relação à China (“vírus chinês”, “plano de dominação comunista” etc.), mas as relações comerciais nunca foram tão dependentes do gigante asiático. De janeiro a setembro deste ano, 68% do superávit da balança brasileira deve-se a transações justamente com a China. O dado é do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), boletim mensal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado nesta sexta-feira (16).

“No auge do boom das commodities, no início da década de 2010, o superávit comercial com a China chegou a explicar 39% do saldo total da balança em 2011”, lembra a FGV. “Desde 2018, o percentual de contribuição da China tem aumentado e chegou a 68% no acumulado do ano até setembro.” Dessa forma, o saldo comercial brasileiro soma US$ 42,2 bilhões em 2020. Do total, US$ 28,8 bilhões referem-se ao país asiático. Já em igual período do ano passado, a participação era de 56%.

Eixo para a China

“O eixo do dinamismo do comércio exterior se deslocou para a Ásia, que explicou 49% das exportações e 35% das importações de janeiro a setembro de 2020. Nesse mesmo período, os percentuais da União Europeia foram de 14% (exportações) e 17% (importações)”, aponta o boletim da FGV. Só com a China, as participações são de 34% e 21%, respectivamente. “O efeito pandemia, que atingiu mais fortemente a economia europeia do que a chinesa, pode ter aumentado as diferenças nas participações. Mas não é somente isso, já que a participação da China já superava a da União Europeia como destino das exportações brasileiras desde 2015.”

Entre os principais produtos de exportação brasileiros, estão – nesta ordem – soja, minério de ferro, óleos brutos de petróleo (ou outros), açúcares/melaços e carne bovina. Em todos esses casos, o principal comprador é a China. Os dados, disponíveis ao público, são do Ministério da Economia.

Recessão e dólar

Depois um primeiro semestre fraco, o superávit cresce neste ano. Assim, estima-se que deverá atingir US$ 58,5 bilhões no total. Mas isso é resultado, principalmente, da queda das importações. De 25,5% em relação a setembro de 2019 e 14,4% no acumulado. As exportações, por sua vez, caíram bem menos (-9,1% e -7,7%).

“A recessão mundial e doméstica explica o cenário de recuo nos indicadores de valor”, comenta a FGV. “Em adição, a acentuada desvalorização da taxa de câmbio efetiva real ajuda a conter as importações e barateia o preços dos produtos brasileiros no comércio exterior.” Na média deste ano, em comparação com 2019, essa desvalorização foi de 28%. “Observa-se, porém, que a forte desvalorização iniciada em março de 2020 onera os custos de setores que utilizam insumos e componentes importados, como é o caso do setor automotivo e eletroeletrônico.”

Bem depois da China, aparecem os Estados Unidos como segundo maior parceiro comercial. As transações correntes com o país de Donald Trump, ídolo maior de Jair Bolsonaro, somam US$ 33,4 bilhões até setembro. O valor inclui exportações e importações. Com a China, são mais de US$ 78 bilhões. Com os norte-americanos, porém, o Brasil acumula déficit de US$ 3,1 bilhões, conforme mostram os dados do próprio governo.