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Preços pagos ao produtor indicam que aumento no custo dos alimentos vai continuar

Valores da saca do arroz, do litro de leite e da arroba do boi sobem sem parar desde janeiro. Preços dos alimentos acumulam altas históricas

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Alta dos alimentos tem impacto relativo maior para famílias de baixa renda

São Paulo – Além do aumento registrado no custo da cesta básica, que acumula até 30% de alta em 12 meses, os preços dos alimentos ao produtor indicam que arroz, carne e leite vão continuar subindo nos próximos meses. Isso porque os valores pagos ao produtor agora, só devem chegar nos preços dos supermercados em um futuro próximo. O arroz, por exemplo, acumula alta de 110% entre janeiro e setembro, no valor ao produtor, pela saca de 50 quilos – de R$ 49,60 para R$ 104,39. E no início de outubro já passou para R$ 105,65. Os dados são do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).

O preço da arroba do boi gordo também registra aumentos significativos no período entre janeiro e setembro deste ano. Foram 28,7% de alta, partindo de R$ 193,05 para R$ 248,50 – maior cotação já registrada. No entanto, nos sete primeiros dias de outubro a cotação já subiu mais, para R$ 258. Isso demonstra que a tendência de alta ainda não se esgotou e deve impactar mais o preço dos alimentos nos próximos meses.

O indicador do preço médio do leite ao produtor também registra crescimento significativo, saindo de R$ 1,36, em janeiro, para R$ 2,13, no mês passado. Variação de 55,8%.

Cesta básica

Os valores assustam mais se relacionados com a alta no custo da cesta básica. E os aumentos individuais do preço do arroz, da carne e do leite ao consumidor, nos supermercados. Dados do Dieese indicam aumento na 17 capitais onde a pesquisa é feita. Apenas no mês passado, as maiores altas foram registradas em Florianópolis (9,80%), Salvador (9,70%) e Aracaju (7,13%). Na cidade de São Paulo, o crescimento foi de 4,33%. Os preços médios variaram de R$ 422,31 (cesta básica em Natal) a R$ 582,40 (Florianópolis).

Quem ganha salário mínimo comprometeu, em setembro, mais da metade (51,22%) da renda líquida para comprar os alimentos básicos, ante 48,85% em agosto.

Sem estoque

A supervisora de pesquisas do Dieese, Patrícia Costa, considera que os valores ao produtor, medidos pela Esalq, impactam os preços dos alimentos ao consumidor no futuro próximo. Ela destaca que o problema é multifatorial. “A carne tem um aumento do preço dos insumos, nível recorde de exportação e um alto custo de reposição do bezerro. Quando chega no varejo interno, a população brasileira não consegue comer essa carne, porque o preço está muito alto. No caso do arroz, temos um grande aumento do volume exportado este ano. Passou de 61 mil toneladas para mais de 212 mil toneladas. É um produto que vem perdendo área plantada, porque a soja é mais lucrativa. Também se perdeu a política de estoques reguladores”, explica.

Os estoques reguladores são utilizados para suprir o mercado de grãos, quando algum evento provoca alta repentina nos preços. No entanto, desde 2010, esses estoques vêm sendo reduzidos. No caso do arroz, houve redução de 981 mil toneladas, naquele ano, para 21,6 toneladas este ano. Feijão, milho, trigo, café e soja também tiveram seus estoques extremamente reduzidos, deixando o país totalmente vulnerável a eventos adversos. “Hoje o que tem de estoque de arroz não dá para um dia de consumo dos brasileiros. Não tem como operar politicamente a redução do preço do arroz”, afirma a doutora em desenvolvimento econômico Juliane Furno.

Real desvalorizado

A economista explica que, do ponto de vista internacional, vários fatores têm impacto no aumento do preço do arroz. “Os principais ofertantes de arroz no mundo – Índia e Vietnã – reduziram sua venda no mercado internacional. Se você tem menos oferta, mas tem a mesma procura, o preço sobe. O preço do arroz está mais alto no mundo inteiro. Como Índia e Vietnã não estão exportando, os países que mais compram arroz, principalmente a Venezuela, estão comprando o nosso arroz”, relata Juliane. “Podemos dizer que o principal motivo do aumento do preço do arroz é a desvalorização do real. Está muito barato para os outros países comprarem o arroz do Brasil, que tem a moeda que mais desvalorizou em 2020.”

O preço do dólar também afeta o preço dos alimentos, mesmo quando são comprados no mercado interno. Um saco de arroz, que custasse US$ 50, correspondia a um valor muito menor em janeiro, quando o dólar estava em R$ 4,02, do que agora, a quase R$ 6. Outro problema é a redução da área plantada de arroz no Brasil, nos últimos 30 anos. Ainda que tenha havido aumento da produtividade, não foi suficiente para compensar.

Agravando a fome

Para a economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no governo Dilma Rousseff (PT), a situação é muito grave. “O aumento do preço do arroz é uma tragédia. O arroz é a base da alimentação brasileira e, junto com o feijão, formam a base de uma dieta muito nutritiva. Quando você tira o arroz, desorganiza. Não adianta falar ‘come macarrão’, porque as pessoas não vão comer macarrão com feijão, vão comer com molho, instantâneo. Chega a ser criminosa essa orientação”, afirma.

A orientação foi dada pelo presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, após reunião com presidente Jair Bolsonaro, para discutir a alta no preço do arroz. “O arroz responde por 15% da energia na vida dos brasileiros. Não é qualquer coisa, é a principal fonte de energia no nosso prato, é a base da nossa alimentação”, destaca a ex-ministra.

Tereza ressalta que a população brasileira está sendo cada vez mais afetada pela fome. E o aumento dos preços dos alimentos pode agravar essa situação. “Os dados do IBGE mostram que a situação da insegurança alimentar no Brasil já vem piorando. Em 2018, a situação já estava pior do que aquela registrada em 2004. Naquele ano, 35% da população sofria com algum tipo de insegurança alimentar. Esse índice caiu para 22,5% em 2013. E subiu para 36,7% em 2018”, compara a ex-ministra. “São pessoas que não comem em quantidade suficiente, ou não comem com diversidade, ou não comem o que gostariam de comer. Provavelmente essa situação já é pior, pois desde 2018 para cá tivemos aumento do desemprego e do trabalho precarizado”, avalia.