Só pensa naquilo

Em novo recuo, Bolsonaro adota populismo, mantém Bolsa Família e coloca Guedes em xeque

Austeridade fiscal extrema, defendida pelo ministro da Economia, vai de encontro ao projeto do presidente, que abandonou até o mercado pela sua reeleição

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Presidente desmente equipe econômica, mantém programa criado por Lula e ameaça time de Paulo Guedes com "cartão vermelho"

São Paulo – Ao anunciar que o governo desistiu de lançar o programa Renda Brasil – uma espécie de reformatação do Bolsa Família, criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) –, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu um projeto que nem sequer foi implementado e expôs mais uma vez a divisão do governo entre a austeridade fiscal extrema, defendida pela ala liderada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), e o populismo eleitoral, já que Bolsonaro não pensa mais apenas em satisfazer o mercado, mas em sua reeleição.

“Nos últimos 15 dias houve um conflito entre a proposta neoliberal, que é inviável,  e as tentativas populistas, que exigem cofre aberto”, diz o cientista político Roberto Amaral, ex-presidente do PSB. “Esse conflito que se agrava no seio do governo vai levar a seguidos impasses. Quando Bolsonaro sentir que a reeleição está ameaçada, descarta Guedes e Maia. E aí vai ter a economia em crise”, diz Amaral, referindo-se ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em vídeo divulgado nas redes sociais na manhã desta terça-feira (15), Bolsonaro se disse “surpreendido por manchetes em todos os jornais”. A surpresa, explicou, se devia às informações de que o governo pretendia congelar aposentadorias para ter caixa e criar o Renda Brasil, além de cortar auxílio para idosos e “pobres com deficiência”.

“Eu já disse, há poucas semanas, que jamais vou tirar  dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura vier a propor pra mim uma medida como essa, eu só posso dar cartão vermelho para essa pessoa”, afirmou.

Mais tarde, Paulo Guedes desconversou, embora seja o  chefe da Economia. “O cartão vermelho não foi para mim”, garantiu. Relatou que, em conversa com o chefe do Executivo “sobre as notícias dos jornais”, lamentou “muito essa interpretação”.

Nas últimas semanas, analistas políticos vêm avaliando que a continuidade de Guedes “parece incompatível” com o cenário de pandemia, já que a lógica do ministro “é destruir” o Estado. O secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse no domingo (13) que o Executivo pretendia adotar medidas que provocariam o congelamento de todas as aposentadorias por dois anos.

Estímulo ao PIB

Em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, o Bolsa Família beneficiou cerca de 14 milhões de famílias. Para Roberto Amaral, que foi ministro da Ciência e Tecnologia durante o governo Lula, tão ou mais importante do que combater a miséria dos beneficiários, o Bolsa Família incentivou a economia de regiões carentes do país.

“Esse dinheiro movimentou a economia dos rincões, dos menores municípios. As pessoas que recebem não têm como economizar, e gastam nas suas localidades, no armazém, na feira livre, e isso põe em circulação a economia nesses pequenos municípios.”

Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2013, cada R$ 1,00 investido no Bolsa Família estimula um crescimento de R$ 1,78 na atividade econômica, ao custo de apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

“Bolsonaro anuncia o fim do Renda Brasil, que sequer saiu do papel. Um programa excludente e sem consistência para distribuir renda e acabar com a extrema pobreza. Ao contrário, Bolsonaro e Guedes pretendiam terminar vários programas sociais – criados nos governos petistas”, diz o deputado federal Enio Verri (PR), líder do PT na Câmara.

Ele menciona a proposta do partido de criar o Mais Bolsa Família, no contexto de combate à crise econômica e os efeitos da pandemia de covid-19, para assegurar valores de pelo menos R$ 300 às famílias com renda de até R$ 600 por pessoa. “O Mais Bolsa Família e o valor de R$ 600 de auxílio emergencial são caminhos para revertermos o quadro de miséria que se aprofunda a cada dia no Brasil”, defende o parlamentar.

“Ou fazemos isso, ou a desigualdade continuará crescendo”, diz a economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social de Dilma, no site do PT. A ex-ministra coordenou os debates que resultaram no Projeto de Lei (PL) 4.086/2020, que cria o Mais Bolsa Família.

Leia a íntegra do PL 4.086/2020 aqui.


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