Cura milagrosa

Teto de gastos é a ‘cloroquina da economia’, afirma professor

Para Guilherme Mello, professor da Unicamp, congelamento do orçamento não tem eficácia comprovada e traz graves efeitos colaterais

Anderson Riedel/PR
Anderson Riedel/PR
Para segurar o teto, Guedes estuda acabar com programas sociais

São Paulo – Estabelecido pela Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada em 2016 pelo governo Temer, o teto de gastos congelou os investimentos públicos por 20 anos. O que antes já era inadequado, se tornou inviável, por conta dos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus. Para o economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trata-se de uma espécie de “cloroquina da economia”. Não traz a cura prometida e ainda causa graves efeitos colaterais.

Mello é um dos 383 economistas que assinaram um manifesto que pede a extinção da EC 95. Publicado no último sábado (21), no jornal Folha de S.Paulo, com o título “Teto de gastos, a âncora da estagnação brasileira e da crise social” o documento reivindica o fim das restrições orçamentárias impostas pela medida.

O teto é, também, uma “inovação” brasileira, já que nenhum outro país do mundo decidiu incluir na Constituição regras tão restritivas ao funcionamento do Estado. E, agora, vai na contramão do resto do mundo, já que a maioria dos países ampliou gastos públicos para combater os efeitos da crise decorrente da pandemia.

“É o momento de aumentar a coordenação, a participação e o poder de investimento do Estado. Só no Brasil, apegados a uma ‘religião’ da austeridade, que uma parte relevante dos economistas tem se negado a discutir esse tema de maneira racional. O mundo inteiro está indo em outra direção”, disse Mello, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (26).

Por aqui, o teto é mantido com base em argumentos “terroristas”. Caso fosse rompido, o país cairia numa incontrolável gastança, resultando na fuga de investimentos e na escalada da inflação, alegam os economistas liberais. Segundo Mello, são argumentos “irracionais” e “anticientíficos”.

Rachadura

Para exemplificar a “insustentabilidade” dessa regra, Mello lembra que o teto já foi burlado nos dois últimos anos. Em 2019, o governo utilizou a capitalização de uma estatal militar para justificar gastos que excederam o limite estabelecido pela EC 95. Neste ano, foi preciso aprovar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “Orçamento de Guerra”, para autorizar os gastos necessários no combate à pandemia.

Agora, num cenário de depressão econômica, as restrições são ainda mais severas, já que a EC 95 determina que o orçamento público deve ser corrigido apenas pela inflação. Com a crise econômica, a demanda por produtos e serviços é menor, portanto, com impactos na redução da inflação.

“Como a inflação é muito baixa, o reajuste é muito pequeno. E as demandas são gigantescas. Seja na área da saúde ou em outras áreas”, afirmou Mello. “Não haverá espaço para gastos sociais e investimentos. Isso, obviamente, faz com que alguns economistas que defendiam o teto lá atrás, na sua formulação, percebam que foi um equívoco, e proponham uma alteração nesta regra”, acrescentou.

Quebrar o piso

Ademais, para evitar a derrubada do teto de gastos, os economistas do mercado e do governo querem “quebrar o piso” do orçamento público. É a chamada PEC Emergencial, que prevê a redução de 25% nas jornadas e salários dos servidores públicos. “Estão tendo que remendar a Constituição para manter uma emenda que deu errado. É uma insanidade”, classificou o professor da Unicamp.

A consequência, segundo ele, será a piora generalizada nos serviços públicos. Justamente no momento em que cresce a demanda por saúde e educação públicas, já que as famílias estão tendo dificuldades em arcar com esses serviços.

Jeitinho

Por outro lado, buscando contornar as restrições impostas pelo teto de gastos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estuda um “jeitinho” para tentar viabilizar o Renda Brasil, versão do governo Bolsonaro para o Bolsa Família. Para tirar essa proposta do papel, a equipe econômica anunciou que pretende acabar com o programa Farmácia Popular.

Ou seja, as famílias terão que gastar com remédios a renda adicional do programa. E, ainda, deve aumentar os custos do Estado, já que a distribuição de remédios gratuitos para diabetes, pressão alta e outras doenças colabora para desafogar o sistema de saúde. “Essa é a lógica liberal e como ela funciona, na prática”, disse Mello.

Assista à entrevista:

Redação: Tiago Pereira. Edição: Glauco Faria