Quase centenário

Depois do carnaval, vem o bloco do Imposto de Renda. Com perdas

Declarações podem ser feitas a partir do dia 2. Bolsonaro disse que ia corrigir a tabela. Já são cinco anos sem correção. Para o Sindifisco, 10 milhões de pessoas não deveriam estar declarando

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Receita espera receber 32 milhões de declarações, ante 30,7 milhões em 2019. Para o sindicato dos auditores-fiscais, 10 milhões de pessoas nem estariam declarando se houvesse correção

São Paulo – Passado o carnaval, se aproxima o período da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). O prazo para declarar começa na próxima segunda-feira (2) e vai até 30 de abril, com restituição a partir de maio – serão cinco lotes em vez de sete. Mais uma vez, não haverá correção na tabela de alíquotas, o que na prática significa mais gente caindo nas garras do Leão – a última vez que a tabela foi corrigida foi em 2015. Antes, foram 11 anos consecutivos com reajustes. Do impeachment, em 2016, em diante, não houve mais correção.

A Receita Federal espera receber 32 milhões de declarações, ante 30,7 milhões no ano passado. O download para este ano já está disponível no site da Receita. Entre outros, devem declarar aqueles que receberam rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70.

O Imposto de Renda está prestes a se tornar centenário no Brasil. No primeiro ano de cobrança, em 1924, foram entregues 82.594 declarações, de acordo com o estudo História do Imposto de Renda no Brasil, um enfoque da pessoa física (1922-2013).

Em maio do ano passado, em entrevista à Rádio Bandeirantes, Jair Bolsonaro disse que a correção sairia. “Falei para o Paulo Guedes que, no mínimo, este ano temos que corrigir de acordo com a inflação a tabela para o ano que vem. E, se for possível, ampliar o limite de desconto com educação, saúde. Isso é orientação que eu dei para ele. Espero que ele cumpra, que orientação não é ordem. Mas, pelo menos, corrigir o Imposto de Renda pela inflação, isso, com toda a certeza, vai sair”, declarou. Não saiu.

Defasagem acima de 100%

De acordo com o Dieese, que elaborou nota técnica sobre o tema, desde 1996 o país tem uma defasagem superior a 100% na tabela do IRPF. É o que também aponta o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), que acompanha sistematicamente o assunto. (Confira tabela no final do texto.)

Não houve correção de 1996 a 2001, em 2003 e 2004 e de 2016 para cá. Em 25 anos, a tabela foi reajustada em 13 e ficou intacta em 12. Dos oito anos de governo Lula, houve correção em seis – em quatro, acima da inflação. Isso aconteceu também nos quatro anos do primeiro governo Dilma e no primeiro ano do segundo governo, que teve o impeachment em 2016.

Pela tabela atual, quem ganha até R$ 1.903,98 não paga Imposto de Renda. Se a correção tivesse sido aplicada na íntegra, o limite de isenção teria aumentado para R$ 3.882,98, mais que o dobro.

10 milhões não deveriam declarar

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, estima que, sem correção, pelo menos 10 milhões de pessoas estão declarando imposto indevidamente – praticamente um terço do total.

“É como uma bola de neve que vai pesando cada vez mais. É uma maneira oblíqua de aumentar a arrecadação sem lei, uma maneira fácil de arrecadar sobre uma parcela da população que não tem muito como se defender”, afirma.

Ao ignorar a correção pela inflação, o que se acumula a cada ano, muitos que eram isentos passam a contribuir e quem já está na lista acaba pagando proporcionalmente cada vez mais.

O problema, avalia o auditor, não é tanto a quantidade de alíquotas. “É que você chega muito rapidamente ao topo”, diz. O presidente do Sindifisco lembra que em 1996 quem recebia até nove salários mínimos não pagava. “Hoje, com dois você paga. E com cinco já está no topo.”

A não-correção aumenta a carga tributária e prejudica mais o contribuinte de menor renda, ressalta o sindicato dos fiscais da Receita, que defende o reajuste pela inflação para a tabela, das parcelas a deduzir e as demais deduções por dependente – para o Sindifisco, o desconto por dependente, hoje em R$ 2.275 ao ano, deveria estar em R$ 4.646,40 – em valores mensais, R$ 189,59 e R$ 387,20, respectivamente. A regressividade na tributação, assinala a entidade, é um “indutor das desigualdades sociais”.

A regressividade beneficia os mais ricos, observa o presidente do Sindifisco Nacional, defendendo a alternativa oposta. Por progressividade, entende-se fazer uma adequação da alíquota à capacidade de contribuição: em outras palavras, o que tiver menos renda também deve pagar menos.

Os vários anos sem correção, além de aumentar a defasagem, tornam-se uma dificuldade adicional para resolver o problema: não seria possível fazer o reajuste de uma só vez, porque isso traria uma brutal queda de arrecadação. “Vai demandar alguns anos, talvez uma década”, acredita Kleber Cabral. “Se houvesse a tributação sobre dividendos, você conseguiria compensar”, exemplifica. Ele vê com cautela o debate atual sobre reforma tributária, lembrando que até agora o que aconteceu foi uma sucessiva aprovação de “puxadinhos”.

Mais faixas

O Dieese lembra que no final de 2006 houve acordo entre centrais sindicais e o governo para estabelecimento de uma política de valorização do salário mínimo. E ficou definido que de 2007 a 2010 haveria correção anual de 4,5% na tabela do Imposto de Renda, o que acabou sendo mantido até 2014. No ano seguinte, o reajuste médio foi de 5,6% – o último desde então.

Entre as propostas do instituto, está a inclusão de duas faixas tributáveis, com alíquotas de 30% e de 35%. Esta última seria para rendimentos mensais acima de R$ 17.063,86. “Deve-se ponderar que apenas a correção para atualização dos valores da tabela do IRPF não é suficiente para alterar a estrutura da contribuição e torná-la mais justa para os assalariados”, diz o Dieese.

De 1976 a 1978 chegou a haver 16 faixas e de 1983 a 1985, 13, com alíquota de até 60%. A atual estrutura, com cinco faixas, vem desde 2009.

AnoInflação (IPCA) (%) Correção da tabela (%)Resíduo acumulado (%)
1996 9,56 9,56
1997 5,22 15,28
1998 1,66 17,19
1999 8,94 27,67
2000 5,97 35,29
2001 7,62 45,60
2002 12,53 17,50 39,44
2003 9,30 52,41
2004 7,60 63,99
2005 5,69 10,00 57,57
2006 3,14 8,00 50,48
2007 4,46 4,50 50,42
2008 5,90 4,50 52,44
2009 4,31 4,50 52,16
2010 5,91 4,50 54,21
2011 6,50 4,50 57,17
2012 5,84 4,50 59,18
2013 5,91 4,50 61,33
2014 6,41 4,50 64,28
2015 10,67 5,60 72,17
2016 6,29 83,00
2017 2,95 88,39
2018 3,75 95,45
2019 4,31 103,87
  327,37 109,63 103,87

Fonte: Receita Federal/IBGE. Elaboração: Sindifisco Nacional