Tiro no pé

Acordo de livre comércio com a China sepultaria a indústria brasileira, diz Belluzzo

Em vez de uma abertura comercial indiscriminada, o economista da Unicamp sugere integração financeira e tecnológica, com fortalecimento dos Brics

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Trocas comerciais em moeda local entre países dos Brics reduziria dependência do dólar

São Paulo – Em meio à Cúpula dos Brics, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta quarta-feira (13) que Brasil e China estariam conversando a respeito do estabelecimento de um acordo de livre comércio. Dadas as primeiras repercussões negativas, Guedes voltou atrás e agora fala em aumentar a integração entre os dois países. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “um acordo de livre comércio com a China acabaria de destruir a indústria brasileira”. A proposta, inclusive, encontraria resistência entre os representantes da indústria nacional.

Ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (14), ele lembra que a indústria vem perdendo participação no PIB e nas exportações brasileiras desde o processo de abertura indiscriminada iniciado na década de 1980. Por outro lado, quase no mesmo período, a China se transformou na principal potência industrial do planeta, e hoje é líder em desenvolvimento tecnológico, em setores como a telefonia 5G, por exemplo.

“Seria muito temerário fazer um acordo de livre comércio. O Brasil pode e deve ampliar as suas relações com a China. Não só comerciais, mas de investimento, assistência tecnológica, transferência de tecnologia”, afirmou o economista. Uma saída seria apostar em uma maior integração financeira por meio do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como “Banco do Brics”, o que estimularia trocas comerciais entre os países do bloco em moeda local, o que reduziria a dependência do dólar, diminuindo também a vulnerabilidade cambial desses países.

Ele classificou a concepção econômica do ministro da Economia, que defende uma economia concorrencial internacional, como ultrapassada, baseada num ideário neoliberal que está “morrendo”, como mostra a guerra tarifária entre China e Estados Unidos, com claro viés protecionista. Belluzzo defende que o Brasil deve buscar a integração internacional a partir da elaboração de um “projeto nacional de desenvolvimento”.

“O que falta ao Brasil é a noção de um projeto nacional de desenvolvimento. O que não quer dizer adotar uma estratégia nacionalista dos anos 1970, por exemplo. Mas é preciso ter um projeto calcado na articulação com a economia global. O ambiente mudou nas últimas décadas. E o bloco dos Brics é importante, porque é uma forma de inserção internacional do Brasil, na relação com países muito importantes, como a Rússia, a China. Países que são importantes porque têm peso internacional e certo avanço econômico. Pode funcionar se for bem conduzido”, afirma Belluzzo.

‘Pigmeu’ diplomático

Apesar do cenário global de retração do comércio internacional por conta da desaceleração das economias mais desenvolvidas – em especial, a Europa e a própria China –, o Brasil registrou importante declínio nas trocas internacionais. De janeiro a outubro, as exportações brasileiras caíram 7,7%, em relação ao período de 2018. As importações caíram -1,1%, e o saldo comercial ficou 27,4% menor. Para Belluzzo, esses números também sinalizam a falta de capacidade do governo brasileiro de ampliar as suas relações no mundo. Episódios como a invasão da embaixada da Venezuela, em Brasília, e a disposição do país de mudar para Jerusalém a sua representação diplomática em Israel são motivos de piada e estranheza entre a comunidade diplomática, segundo o economista.

“O Brasil precisa se dar conta de que hoje Bolsonaro se transformou num pigmeu no cenário internacional. Diplomatas de outros países muitas vezes acham graça ou estranho. É melhor mudar o tom, para que a gente ganhe um mínimo de respeito”, afirmou.

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