Dilemas

Bacurau, utopias, distopias e o cheque especial: novos rumos do capitalismo

Economistas revelam preocupação com um mundo dominado pelo capital financeiro e com as perspectivas de nova crise global

Reprodução
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Ladislau Dowbor em imagem do documentário 'Dedo na Ferida', exibido ontem na PUC: enquanto economia real está paralisada, um banqueiro aumenta patrimônio em R$ 19 bilhões em apenas um ano

São Paulo –Dedo na Ferida, do cineasta Silvio Tender, documentário que trata do sistema financeiro, antecedeu o debate entre os economistas Ladislau Dowbor e Guilherme Mello, ontem (2), terceiro dia da Semana de Economia promovida pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que termina amanhã (4). Mas o filme mais lembrado foi o recente Bacurau, que para Guilherme revela, de certo modo, um conflito entre utopia (organização social) e distopia (violência) e pode indicar caminhos. Para ele, o mundo pode estar próximo de uma nova e severa crise. Já o Brasil, afirma, abriu mão de um projeto nacional.

“O Brasil, sua elite, abdicou de um projeto de desenvolvimento nacional e aposta todas as suas fichas no capital estrangeiro”, afirmou Guilherme, que é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outra questão preocupante é a “apatia” que ele identifica na sociedade. “Estamos absolutamente anestesiados.” O economista acredita que Bacurau revela a crise civilizatória vivida no país atualmente.

No documentário de Tendler, lançado há dois anos, o economista aborda as transformações do capitalismo, que aos poucos passa da atividade produtiva para a financeira. “A lógica muda”, diz Guilherme. Há expansão de um capitalismo sem emprego e sem renda, ainda mais instável, desembocando na crise global de 2008. “Mesmo diante de todas as avalanches de incentivos monetários para salvar o sistema financeiro, a economia não se recuperou”, observou o professor, já no debate. Mesmo o recente  crescimento dos Estados Unidos se deu sem aumento da renda do trabalho.

Bolhas

Segundo ele, tudo indica uma nova recessão mundial. A economia se sustenta em “bolhas”, derivadas de títulos públicos, títulos privados e no câmbio. Mesmo esse processo – que incluiu a figura da taxa de juros “negativa” adotada por bancos centrais – já aponta limites, o que Guilherme considera a “grande novidade” do momento atual. Assim, o presidente norte-americano, Donald Trump, pressiona o Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) não por ter alguma preocupação com o investimento produtivo: “Ele quer manter a bolha viva”. Pelo menos até o processo eleitoral, no ano que vem.

“A distopia está chegando num limite, porque é insustentável”, acrescenta Guilherme, já pensando em como o mundo reagirá a essa possível nova turbulência. “Não dá para mais uma vez salvar o sistema financeiro para iniciar um novo processo de bolha, sem emprego, sem renda”, afirma.

Estudioso da “financeirização” da economia e seus efeitos, autor do livro A Era do Capital Improdutivo, o professor Ladislau, da PUC, lembra que enquanto a economia real patina, o banqueiro Joseph Safra, por exemplo, aumentou seu patrimônio pessoal em R$ 19 bilhões em apenas um ano. “Em média, eles aumentaram (patrimônio) em 15%, 20%. Nós estamos na mão desse sistema”, diz.

“As pessoas não acreditam que no Brasil possa se cobrar, por exemplo, 320% de cheque especial. As pessoas não entendem. Na verdade, eu não entendo”, acrescenta Ladislau. “O problema é de poder político, não de área econômica”, avalia, referindo-se aos processos decisórios, que para ele precisam ser repensados, considerando que existe “uma economia em grande parte mundializada e governos nacionais”. “Há um desajuste entre o espaço nacional (governos, nação) e o espaço econômico”, analisa.

Um momento emblemático do documentário de Tendler mostra um grupo de manifestantes em Lisboa, do grupo Que se Lixe a Troika, protestando em 2013 contra a presença do então primeiro-ministro, Passos Coelho, no parlamento, para falar de políticas de austeridade. No início do discurso, eles começaram a cantar Grândola, Vila Morena, canção símbolo da Revolução dos Cravos, em 1974.