leilão

Correios entram na mira de Bolsonaro, após voltar a dar lucro nos dois últimos anos

Especialista prevê batalha legislativa e também com trabalhadores da categoria para privatizar empresa que é referência internacional

Tomaz Silva/Agência Brasil
Tomaz Silva/Agência Brasil
Trabalhadores organizados devem impôr resistência à proposta de privatização dos Correios

São Paulo – Uma das estatais mais importantes do pacote de privatizações do governo Bolsonaro, anunciado no final de agosto, os Correios voltaram a registrar lucro nos últimos dois anos. A melhora na saúde financeira da empresa enfraquece o discurso que diz que o Estado deve se livrar das empresas públicas que estão no vermelho. A proposta deve enfrentar ainda forte resistência dos mais de 105 mil trabalhadores organizados em todo o país, contrários à medida.

Segundo o pesquisador Igor Venceslau, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a empresa postal se modernizou nos últimos anos, e é reconhecida internacionalmente como uma das melhores do ramo em todo o mundo. É fundamental, ainda, para a execução de políticas públicas, já que está presente em todos os 5.570 municípios do Brasil.

O pesquisador acredita que o processo de “desestatização”, como gosta de dizer o governo, deve enfrentar resistência no Congresso Nacional. O serviço postal brasileiro é regido por princípio constitucional, que estabelece dever ser público e universal. Para ser aprovada, a privatização dos Correios precisa ser aprovada por 3/5 dos parlamentares em votação em dois turnos, na Câmara e no Senado. Deputados e senadores que compõem a Frente Parlamentar e Popular em Defesa da Soberania Nacional também são contrários à venda da estatal.

“Os próximos meses de 2019 serão decisivos, justamente porque o governo sonda quais são as forças contrárias e favoráveis. Embora sabendo que ele tem intenção muito forte nesse sentido, acredito que é possível enfrentar esse processo, mostrando que os Correios são uma empresa lucrativa”, afirmou Venceslau em entrevista ao Jornal da USP no Ar. Após quatro anos de prejuízos, a empresa voltou a registrar lucro de R$ 667 milhões, em 2017, e  R$ 161 milhões, em 2018.

Em junho, os Correios foram os vencedores do World Post & Parcel Awards – o “Oscar dos serviços postais” – na categoria Atendimento ao Cliente, pela operação que permitiu a entrega de mais de 10 milhões de kits para TV digital a beneficiários do Bolsa Família. A estatal também saiu vencedora, em 2007, na categoria Responsabilidade Social, com o Banco Postal, e, em 2002, na categoria Consumidor, o que demonstra que a empresa vem passando por processos de modernização ao longo dos últimos anos, segundo o especialista.

Venceslau afirma ainda que os Correios mantêm monopólio apenas na distribuição de cartas e telegramas. Já o segmento de encomendas é de livre concorrência, com inúmeras transportadoras nacionais e internacionais atuando. “O mercado não se prejudica com o monopólio postal. Pelo contrário, ele garante que os Correios tenham lucro nas cartas, mantendo agências mesmo em municípios que não dão lucro.”

Ainda assim, o setor privado cobiça a participação da estatal nas entregas de encomenda. Contudo, a privatização, dependendo do modelo adotado, pode acarretar prejuízo para as empresas que dependem de entregas de mercadorias. Segundo Venceslau, nenhum país do mundo – nem nos Estados Unidos, país das grandes empresas do setor como a Fedex –conta com uma empresa privada que garanta a distribuição universal. Ele lembra que a privatização dos Correios também foi tentada durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Michel Temer (2016-2018), sem sucesso.