ENTRE VISTAS

Auditoria Cidadã da Dívida mostra como os bancos espoliam o país há décadas

Maria Lúcia Fattorelli dá aula sobre a dívida pública do Brasil em entrevista para o jornalista Juca Kfouri, nesta quinta-feira, na TVT

Reprodução/TVT
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“Metade da Vale foi paga com títulos públicos que não eram aceitos em nenhuma Bolsa de Valores do mundo”

São Paulo – O programa Entre Vistas desta quinta-feira (26), na TVT, poderia ser definido como uma aula de economia sobre a dinâmica da dívida pública no país se fosse para dar uma definição meramente conceitual. Mas, na prática, a conversa desta noite do jornalista Juca Kfouri com a especialista em finanças Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, mostra como o setor financeiro, leia-se ‘bancos’, vem há décadas espoliando o país, por mecanismos de manipulação de títulos públicos que remetem a uma dívida que, segundo a especialista, se mostra em muitos aspectos sem legitimidade.

Os títulos da dívida pública são emitidos pelo Tesouro Nacional e depois entregues ao Banco Central (BC), que os leiloa para um grupo que Maria Lucia chama de “privilegiados” – um seleto grupo de 12 instituições financeiras, inclusive bancos estrangeiros, definido por uma portaria do BC editada a cada seis meses. Somente esse grupo participa dos leilões de títulos, que depois são repassados ao mercado.

“É uma opção do governo brasileiro de construir o modelo dessa forma”, diz Maria Lucia. Ela explica que desde 2008 a taxa de juros é próxima de zero ou negativa em muitos países do mundo, mas não no Brasil. “Se os juros forem reduzidos a níveis civilizados, os dealers (os representantes do setor financeiro) podem não comprar”, afirma, em relação às alegações do governo brasileiro.

O programa desta noite conta com as participações do jornalista João Franzin, diretor da Agência Sindical, e Rosana de Souza Fernandes, secretária adjunta de Combate ao Racismo da CUT.

Maria Lucia explica que o ciclo da dívida que o país vive hoje teve início em 1964, com a instauração da ditadura civil-militar no país. Essa dívida cresceu como “externa” até os anos 1980, quando “unilateralmente os bancos aumentaram as taxas de 5% para 20% ao ano, o que marcou aquele período como década perdida”. Segundo ela, naquela época muita dívida de bancos privados foi transformada em dívida pública assumida pelo BC. “Em 1992, há uma forte suspeita de que essa dívida prescreveu”, afirma.

Mas em 1994, quando o governo editou o Plano Real para debelar a inflação galopante no país, “essa dívida prescrita foi transformada em novos títulos da dívida externa em uma operação realizada em Luxemburgo, que é um paraíso fiscal”. Segundo a especialista lembra, os títulos Braid, na verdade, títulos podres, foram aceitos pelo governo de Fernando Henrique Cardoso como pagamento de empresas privatizadas. “Metade da Companhia Vale do Rio Doce foi paga com esses títulos, que não eram aceitos em nenhuma bolsa de valores do mundo”, diz. Ela também destaca que uma outra parte desses títulos simplesmente foi transformada em dívida interna. “E com a desculpa do governo de controlar a inflação, esses títulos pagavam quase 50% ao ano”.

Atualmente, a dívida do país está em 100% do Produto Interno Bruto (PIB). E não reflete a atuação do poder público com investimentos, mas para remunerar o mercado financeiro, como as sobras de caixa dos bancos, que o Banco Central remunera – esse é um alvo constante das críticas de Maria Lucia. Ela diz também que as definições de dívida externa e dívida interna não tem sentido mais, por conta da globalização da economia. Segundo ela, o correto é considerar o conceito de ‘dívida pública’.

Por conta de toda a manipulação que o governo admite por meio do BC, não é feita uma auditoria da dívida, para separar o que é legítimo do que é prescrito, e não há transparência para a população. “Não se investiga, e o mercado (leia-se ‘bancos’) foi muito esperto ao escolher a dívida para ser o veículo do roubo de recursos”, afirma, destacando que essa é a real questão que amarra a economia do país.

Frente à manipulação em favor do mercado financeiro, a reforma da Previdência, que tramita no Congresso e ataca direitos dos trabalhadores, sobretudo dos mais necessitados, é mero jogo de cena para enganar a sociedade. “Essa reforma da Previdência é totalmente desnecessária. Não é aí que estão os problemas das finanças públicas do país. Os problemas estão no manejo da dívida pública”, defende.

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